Artigo – Apoio emergencial a quem coloca comida na nossa mesa

Por Valdeci Oliveira –

São muitos os setores econômicos e sociais brasileiros que na pandemia não contaram com apoio estatal para o seu enfrentamento. Isso apesar de o mundo estar dando exemplos do quão fundamentais são as ações do setor público para isso. No caso do RS, tenho a mesma sensação, de abandono da sociedade por parte de um governo que se isenta de suas responsabilidades enquanto gestor.

Um dos exemplos dessa inação vemos na agricultura familiar, que ficou de fora do auxílio emergencial do governo gaúcho. A esse não olhar podemos acrescentar outros agravantes cujos problemas foram evidenciados: a estiagem de 2020, uma das maiores das últimas décadas, e a redução gradual das políticas públicas – tanto federais quanto estaduais – a este importante setor da economia gaúcha e onde a mão de obra é na maioria composta por integrantes de um mesmo núcleo familiar.

Considerando que a essência da atividade política está no fazer escolhas, a da bancada do PT na Assembleia Legislativa foi a de dialogar com os diversos movimentos sociais do campo e transformar suas necessidades no projeto de lei 115/2021, apresentado em maio passado e cujo foco é concessão de crédito emergencial para o setor. Pela proposta, o crédito vai funcionar em duas modalidades. A primeira para a subsistência e venda dos produtos nas compras institucionais, em que o agricultor vai poder produzir e pagar a sua dívida colocando os alimentos nas entidades. Para essa são R$ 25 milhões. A segunda, de mesmo valor, será operacionalizada pelo Banrisul, Badesul e cooperativas de crédito. O cálculo dos técnicos é de que o governo, subsidiando os juros, poderá alocar R$ 500 milhões em forma de financiamento.

Trata-se de um projeto viável, que dialoga não somente com as carências dos pequenos produtores familiares, responsáveis pela produção de cerca de 70% de todo o alimento que chega às nossas mesas, mas também com a economia dos municípios. E quando nos referimos a esse tipo de agricultura – tocado pelas próprias famílias – estamos falando de produção de alimentos tradicionais, com variedade, diversidade e qualidade, pois a produção em pequena escala não exige o uso sistemático de maquinários e pesticidas em grande volume.

O projeto é factível, bastando para isso a ativação de instrumentos existentes a um custo baixo no aporte de recursos para as atividades desempenhadas por pequenos agricultores familiares, camponeses, assentados, pescadores artesanais e comunidades quilombolas, cuja produção tem fortes vínculos com as compras institucionais feitas pelos governos, feiras e produção para a subsistência própria.

Se trata de uma proposta que, em detrimento da monocultura, que vem reduzindo muito as áreas de plantio de outras culturas, como milho, feijão e batata, privilegia a diversidade de alimentos, a manutenção das pessoas no campo e as pequenas cooperativas, que poderão ter acesso a financiamentos junto ao Feaper (Fundo de Apoio ao Desenvolvimento dos Pequenos Estabelecimentos Rurais), o que, pelas regras atuais, é impossibilitado.

E se a questão é “o mercado”, cuja máxima é a relação entre oferta e procura, a baixa disponibilidade de produtos da cesta básica – cuja maioria vem da agricultura familiar – tem contribuído negativamente na alta do custo da alimentação, principalmente nos centros urbanos. Conforme o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, em março, em Porto Alegre, ela custava R$ 623,37, um aumento de mais de 25% em 12 meses.

O projeto 115/2021, que foi construído a muitas mãos por integrantes de diversas entidades que representam os homens e mulheres do campo, preenche uma lacuna quando falamos de recursos aos pequenos produtores e que, nos últimos dois anos, tiveram uma retração de 37,5%. No Feaper e no Funterra, por exemplo, essa diminuição foi ainda maior. Se entre 2011 e 2014, a média foi de R$ 106 milhões, em 2019/2020, foi de R$ 25,9 milhões, valor ligeiramente superior aos R$ 24,6 milhões orçados para 2021. E isso num cenário que conta com milhares de famílias pobres no meio rural.

A matéria também é democrática, pois a seleção dos beneficiários será feita em conjunto pelo governo e entidades representativas dos agricultores. Não se trata de esmola ou de favor, mas de oferecer fomento a uma atividade socioeconômica que responde por boa parte do PIB estadual, reúne algo próximo a 300 mil estabelecimentos e dá ocupação a mais de 670 mil pessoas.

O próximo passo agora é organizarmos a mobilização por meio da Frente Parlamentar em Defesa do Crédito Emergencial para a Agricultura Familiar, lançada na última terça-feira (15), pois, infelizmente, na Assembleia Legislativa, os projetos que beneficiam quem mais precisa andam devagar, como o da renda emergencial, que há mais de um ano se arrasta pela Casa. E se estamos falando em crédito emergencial, não pode ser para o ano que vem, mas agora, ou iremos assistir mais episódios do que ocorreu no setor leiteiro, abandonado por mais de 40 mil famílias nos últimos tempos.

Foto: MST/Divulgação

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)