Artigo – O único “lombo” que arde é o do trabalhador

Por VALDECI OLIVEIRA 

Ao analisarmos as principais medidas tomadas desde meados de 2016 pelo governo federal, percebe-se uma clara intenção, por parte dos governantes de plantão, de eleger os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras como os bodes expiatórios pelas crises econômica e fiscal pelas quais passa o país.

Chego a essa triste conclusão após o anúncio feito pelo presidente da República, e que já vem sendo colocado em prática, da redução em até 90% das Normas Regulamentadoras (NRs) de segurança e saúde no ambiente do trabalho.  As chamadas NRs existem para disciplinar quais são os procedimentos de segurança e saúde que devem ser colocados em prática no ambiente de trabalho de todos os ramos da nossa atividade econômica.  Elas existem desde a década de 1970, quando o Brasil foi o campeão mundial em acidentes de trabalho. Foram regulamentadas por pressão da Organização Internacional do Trabalho e exigência do Banco Mundial, que só liberava financiamentos externos mediante a existência de condições mínima de proteção aos trabalhadores.

Se as normas regulamentadoras forem desmanteladas em definitivo, como deseja o governo Bolsonaro, o cenário será trágico para os milhares de profissionais desse país que atuam em funções que geram risco à saúde e à segurança, caso, por exemplo, dos operários de fábricas, dos funcionários das empresas de energia elétrica ou de quem atua no setor de petróleo e gás ou na construção civil. Hoje, com as NRs em pleno vigor, os casos de acidentes de trabalho e mortes no ambiente laboral já são preocupantes: o Brasil registra um acidente de trabalho a cada 49 segundos e uma morte, em local de trabalho, a cada três horas e quarenta minutos.

O agravante disso tudo é que a implosão das normas de segurança e saúde não é o primeiro direito dos trabalhadores que tomba recentemente. A lista pode ser encabeçada pela Emenda 95 (PEC da Morte), que congelou por 20 anos os investimentos públicos em saúde e educação. Depois, veio a terceirização do trabalho sem limites, não importando a atividade fim da empresa, o que reduziu salários e direitos.

O mais duro golpe aos trabalhadores brasileiros viria no ano seguinte, em 2017, com a promulgação da Reforma Trabalhista, que retirou outras dezenas de direitos sociais conquistados a duras penas e com luta no último século. Não bastasse isso, os trabalhadores ainda provavelmente terão de “engolir”, em breve, uma reforma da previdência que, ao fim e ao cabo, só significará, para quem labuta, trabalhar até morrer ou morrer trabalhando.

Apesar do presidente e da sua equipe se caracterizarem pela empáfia, pela arrogância e pela incapacidade de dialogarem com alguém que pense diferente, eu ainda apelo para que alguma autoridade ou liderança que habite os círculos próximos do nossa maior autoridade tente conscientizá-lo de que atacar trabalhador não vai tirar o país da crise e não vai gerar empregos em massa, como propagandeiam nossos gestores. O que vai gerar desenvolvimento é investimento público, política de juros, fomento à produção, fortalecimento do mercado interno e, principalmente, uma população de consumidores com renda.

Por outro lado, faço uma provocação tanto a Bolsonaro como ao governador Leite, que, na mesma minha de pensamento, aqui no Rio Grande, não poupa ataques aos trabalhadores e aos servidores.  Por que, em vez de mirar sempre na classe trabalhadora, os governos que vossas excelências comandam não exigem também, pelo menos uma vez, uma cota de sacrifício do chamado topo da pirâmide social gaúcha e brasileira?

Alguém teve notícia de cortes de incentivos fiscais para os grandes empresários ou da redução dos benefícios destinados para os fazendeiros? Alguém teve notícias dos supersalários serem afetados? Alguém teve notícia da cobrança de imposto sobre as grandes fortunas? Alguém teve notícia da cobrança de IPVA de jatos, iates e helicópteros particulares?

Não. Notícias como essas não existiram, porque nenhuma proposta nesse sentido foi encaminhada. O único lombo que ardeu foi o do assalariado, foi o do pai e da mãe de família, foi daquele que conta cada centavo para pagar as contas do mês e para colocar comida mesa dos filhos. Nunca é demais lembrar: vivemos num país onde a renda familiar per capita foi de R$ 1.373 em 2018 e onde de cada três aposentados, dois ganham um salário mínimo.

Pessoas em sã consciência jamais podem acreditar que o problema do Brasil são as leis trabalhistas, a aposentadoria do povo ou o direito à saúde e à segurança no ambiente de trabalho.  Não, o problema do Brasil é termos representantes da elite que possuem uma visão excludente de sociedade e que, juntamente com nossos governantes, colocam, muitas vezes, o povo de joelhos diante de uma entidade chamada mercado. Enquanto essa desigualdade abissal de visão e ação perdurar, continuaremos perseguindo as crises sem ter condições de, de fato, resolvê-las. É como um cão correndo atrás do próprio rabo.

(Imagem: Sindicato dos Metalúrgicos de Cachoeirinha)