Na próxima semana, deveremos analisar, na Assembleia Legislativa, os projetos encaminhados pelo atual governo para as privatizações da Companhia Riograndense de Mineração (CRM), Sulgás e CEEE. Como vemos, mudou o mandatário, mas a receita é a mesma: transferência do patrimônio do povo gaúcho para grandes empresas privadas por meio de entrega de estatais estratégicas para o desenvolvimento gaúcho. E o argumento para isso é a mesma cantilena que ouvimos durante o governo Sartori: sem se desfazer do que é de todos não haverá dinheiro para saúde, educação e segurança.
Não tenho dúvida de que essa receita não passa de uma obsoleta agenda para resolver a crise financeira estrutural do Estado, a qual é divulgada como a única saída possível. Ignoram a possibilidade da criação de um projeto de desenvolvimento estratégico que integre nossas diversas matrizes econômicas; que se mude a política de incentivos fiscais; de que há chances para uma renegociação da dívida do Estado com a União e ignoram a busca pelo ressarcimento dos créditos que o RS tem a receber da Lei Kandir. E essas são apenas algumas, entre tantas outras ações, que o atual governo poderia lançar mão para buscar o equilíbrio de suas contas. Segundo dados do Sindicato dos Técnicos do Tesouro do Estado, que estão publicizados na Internet, foram sonegados no RS, de janeiro deste ano até o dia de ontem, cerca de R$ 4,7 bi em impostos.
Ao desdenhar essas possibilidades, trilha-se o caminho do discurso fácil e do entreguismo, o qual é extremamente lucrativo às grandes empresas e às multinacionais estrangeiras, estas, sim, as verdadeiras beneficiadas pela execução do discurso neoliberal.
ARTIGO. Valdeci Oliveira e a venda de três estatais gaúchas: “não se vende a casa para pagar o almoço” – valdeci-artigo-2Nessa análise, é importante que se recupere que, desde 2010, a Sulgás – eleita em 2016 a empresa mais rentável do Brasil no seu segmento – apresentou lucro de R$ 518,2 milhões e gerou R$ 413,6 milhões em dividendos nos últimos 13 anos. A CRM, entre 2014 e 2018, colocou mais de R$ 60 milhões no caixa único do Estado e fez investimentos de R$ 137 milhões com recursos próprios. Querem vendê-la por cerca de R$ 500 milhões, sendo que quem comprá-la levará consigo uma riqueza de mais de R$ 200 bilhões. A CEEE também não causa prejuízo, porque nem ao menos faz uso do dinheiro do caixa único do Estado. Ao contrário, se mantém com suas próprias pernas, e os negócios de geração, transmissão e distribuição obtiveram uma receita operacional líquida de mais de R$ 4,2 bi em 2017. Em 2018, o faturamento da Companhia incrementou os cofres públicos em mais de R$ 7 bi. O Banrisul, também é objeto de desejo, em 2018, teve lucro líquido de R$ 1,09 bilhão.
Pouco tempo atrás, a Folha de São Paulo publicou uma matéria que mostra que, nos últimos anos, 884 serviços foram reestatizados no mundo. Na França, foram mais de 150; na Espanha, cerca de 60; e, na Inglaterra, 65. Até os Estados Unidos “desprivatizaram” 67 atividades delegadas a empresas privadas. Caso emblemático é o da Alemanha, que, a partir de 2007, retomou para o controle estatal 348 serviços, sendo a maior parte desses processos justamente no setor de energia. E o motivo foi o mesmo em todos os lugares: os serviços se tornaram mais caros e menos eficientes. O estudo foi elaborado por 11 organizações europeias que integram o TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia sediado na Holanda.
Voltando para a nossa “aldeia” não podemos perder de vista o “ciclo privatizante” praticado pelo governador Antônio Britto nos anos 90. Ao cabo desse processo, um pedaço significativo do patrimônio gaúcho foi entregue ao mercado, mas os principais problemas do estado continuaram insolúveis, a nossa dívida aumentou e o dinheiro da entrega das nossas empresas sumiu. Vamos, mais de duas décadas depois, repetir um caminho que resultou fracassado?
Dito isso, afirmo que sou favorável que as empresas públicas gaúchas passem por processos permanentes de qualificação e reestruturação. Mas abrir mão em definitivo de algo tão estratégico é, ao meu ver, um tiro no pé. O governador, em vez de aderir a uma agenda tão “empoeirada”, deveria aproveitar as inúmeras viagens que têm feito – que são legítimas – para buscar recursos externos e viabilizar projetos inovadores. Como se diz no popular, não se vende a casa para pagar o almoço.