A queda nos índices vacinais contra várias moléstias no Rio Grande do Sul esteve no centro do debate nesta quarta-feira, 7, durante audiência pública realizada pela Comissão de Saúde e de Meio Ambiente (CSMA) da Assembleia Legislativa. Proposto pelo deputado Valdeci Oliveira (PT), o encontro virtual reuniu especialistas, representantes da sociedade civil, gestores públicos, conselhos regionais de classe vinculados à saúde e universidades. Após o debate, foram apontados 12 pontos para se ampliar a cobertura vacinal no estado, os quais serão encaminhados à Secretaria Estadual da Saúde e outros órgãos e entidades.
Entre as propostas deliberadas (confira quadro abaixo), estão a construção de uma forte campanha de vacinação no RS, o combate às notícias falsas, o reforço do trabalho dos agentes comunitários, a extensão dos horários de funcionamento das unidades básicas, o maior investimento em pesquisa, a realização de mutirões e ampliação da mobilização pela revogação da Emenda Constitucional 95, que congela os recursos do SUS por 20 anos.
Cobertura vacinal em queda
Relatório elaborado pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IESP), apresentado em maio passado, mostra que em 2020 a porcentagem de cobertura vacinal registrada no Brasil foi menor do que em 2019, tendência que vem sendo registrada desde 2015, quando a porcentagem de cobertura das principais vacinas no Brasil passava de 90%. “O Programa Nacional de Imunização (PNI), criado em 1973, é uma referência mundial. Porém, a alta taxa de cobertura, que sempre foi uma marca do PNI, vem caindo nos últimos seis anos. O não atingimento das principais metas de vacinas para o público infantil evidencia que há um aumento significativo da população vulnerável”, alertou Valdeci na abertura da atividade.
No RS, dados do DataSUS mostram que, em 2015, a aplicação da BCG foi de 104% contra 82%, em 2020. Já a vacina que protege da meningite teve um alcance de 96% em 2015 e, em 2020, caiu para 87%. “É chocante. Sou médica desde 2004 e não lembro, na minha formação, ter visto sarampo. E é angustiante saber que perdemos o controle de uma doença totalmente controlável e prevenível como o sarampo”, disse a médica Maria Detanico, representante do CREMERS.
Perda de certificação
No caso do sarampo, que já havia sido erradicado, o país perdeu a certificação da Sociedade Pan-americana de Saúde diante dos mais de 18 mil casos apresentados. No RS, entre janeiro de 2019 e junho de 2020, foram confirmados 138 casos da doença, 80% deles em pessoas não vacinadas. O mesmo ocorre com o HPV, presente em quase 100% dos casos de câncer de colo do útero, e com a febre amarela. “Desde a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) de 2019, a atuação dos agentes de saúde ficou prejudicada, dificultando a busca ativa”, destacou a professora Marinez Koller Pettenon, coordenadora do Curso de Enfermagem da Unijuí.
Mau exemplo
A professora Maria Denise Schimidt, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), afirmou que reforçar o modelo de Atenção Primária amplia também o vínculo entre as equipes e as famílias. Juarez Cunha, da Sociedade de Pediatria do RS e presidente da Sociedade Brasileira de Vacinas, defendeu a capacitação e o treinamento permanentes dos profissionais. “Temos um calendário maravilhoso e completo, mas muito complexo”, destacou. O presidente do Conselho Nacional de Saúde, Fernando Pigatto, também participou da audiência, alertou para o fortalecimento dos movimentos antivacina a partir da difusão de notícias falsas (fakenews) e criticou o péssimo exemplo dado pelo presidente da República. “Infelizmente, a autoridade máxima do país, o presidente da República, até hoje não se vacinou contra a covid e disse que não vai se vacinar. O exemplo arrasta”, afirmou.
Redução de equipes do ESF
A enfermeira Sônia Coradini, conselheira do Conselho Regional de Enfermagem do RS (Coren), também apontou como um problema a redução do número de agentes comunitários presentes nas equipes do Programa Estratégia de Saúde da Família (ESF), medida praticada em 2017 pelo então ministro da Saúde e hoje líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros. Na mesma linha, o deputado Valdeci lembrou que a aprovação da Emenda Constitucional 95, em 2016, paralisou o financiamento da saúde pública nacional por duas décadas, o que também atingiu o ESF e a maioria dos programas do Ministério da Saúde. “Hoje temos equipes mínimas (do Saúde da Família) trabalhando com populações acima da sua capacidade “, assinalou Sonia.
Para 2022, Valdeci firmou o compromisso de, como presidente do Parlamento gaúcho, colocar a Assembleia à frente da promoção de uma ampla campanha de conscientização sobre a vacinação. ” Foram as vacinas contra a covid-19 que resgataram a esperança da população. Sua efetividade já é observada na redução de hospitalizações e óbitos. A ciência é clara quando aponta que a vacina é fundamental. Temos que mobilizar a sociedade e cobrar dos gestores esse compromisso”, finalizou o parlamentar.
Íntegra dos encaminhamentos feitos na audiência pública:
1- Construir uma forte campanha de vacinação com linguagem acessível e considerando a realidade regional;
2- Combater as notícias falsas que circulam principalmente nas redes sociais;
3- Reforçar a ação da atenção básica e dos agentes comunitários de saúde no trabalho de orientação às famílias quanto a vacinação de crianças, adolescentes, gestantes e público em geral;
4- Fortalecer o vínculo das equipes de saúde com a população;
5- Fortalecer a busca ativa do público-alvo das imunizações;
6- Estender os horários das unidades básicas de saúde para facilitar o acesso ao serviço da vacinação e também levar a vacinação a locais de grande circulação como escolas e estações de transporte coletivo;
7- Realizar mutirões de vacinação;
8- Capacitar permanentemente os trabalhadores que atuam nas salas de vacinação e na atenção básica;
9- Ampliar investimentos nas áreas de pesquisa e extensão junto às universidades federais;
10- Ampliar as equipes que atuam nas unidades básicas de saúde;
11- Antecipar o calendário de vacinação contra a gripe no RS;
12- Fortalecer o movimento pela revogação da Emenda Constitucional 95.
Foto: Gustavo Mansur / Palácio Piratini