Por Valdeci Oliveira –
Talvez muita gente não tenha se dado conta do fato; outros, talvez, não tenham mensurado o elevado grau de possibilidades que a conquista representa. Mas há dois dias, na última quarta-feira, o RS teve reconhecido pela Unesco, braço da Organização das Nações Unidas (ONU) voltado à educação, à ciência e à cultura, os geoparques da Quarta Colônia e de Caçapava do Sul e, que agora passam a fazer parte da Rede Mundial de Geoparques.
Com eles, o solo gaúcho – regiões Central e da Campanha – participa agora com três áreas geográficas, visto que já possuíamos o selo do Caminhos dos Cânions do Sul, região que dividimos na divisa do estado com Santa Catarina. Pelo conceito criado pela Unesco, os geoparques são “áreas únicas e unificadas, onde os locais e as paisagens de significado internacional são gerenciados com um conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável”.
Chamei a atenção no início deste texto ao elevado grau de reconhecimento porque as chancelas concedidas realmente não são pouca coisa. Elas foram oficializadas em uma cerimônia em Paris, que outorgou o reconhecimento a outros 16 geoparques espalhados pelo planeta – e que deverá ser repetida no Marrocos, em setembro, quando os selos oficiais serão entregues. Até então, o Brasil possuía, ao lado do Cânions do Sul, apenas outros dois, Seridó (RN) e o Araripe (CE).
Numa analogia com o futebol, se se tratasse de Copa do Mundo, enquanto estado seríamos tricampeões; enquanto país, penta. Com títulos únicos no planeta, fazemos parte de um grupo de 46 países, onde a riqueza não é medida pelo ouro ou petróleo, mas pela sua diversidade natural, ecossistemas complexos, geografias formadas por processos geomorfológicos singulares, pela História de suas civilizações antigas, pelos fósseis de centenas de milhares de anos que lá repousam e nos dão respostas sobre o nosso passado. Estamos falando de Mata Atlântica, caatinga, povos originários, geografias que são testemunhas “vivas” do que foram as transformações do nosso planeta. Estamos falando da “extraordinária relevância em diversidade biológica e cultural para o mundo”, diz a própria Unesco.
A Quarta Colônia reverbera ecos de um passado de mais de 250 milhões de anos, que marcam o começo e o final de um período cuja marca registrada foram grandes eventos de extinção em massa. Ou seja, “palentologicamente falando”, sua importância pode ser medida por possuir e abrigar fósseis do dinossauro mais antigo do mundo, por exemplo. Já Caçapava do Sul e suas três dezenas de geossítios possui formações geológicas caras a qualquer estudo que se proponha a analisar rochas sedimentares marinhas e continentais de mais de 500 milhões de anos, de fósseis de animais extintos, grutas, cavernas, etc.
Daí vem a questão das inúmeras possibilidades, também citada no começo do artigo. Possibilidades estas que carregam junto de si responsabilidades, olhar apurado com a proteção desses locais, inserindo as comunidades num processo de busca de geração de trabalho, renda e de desenvolvimento sustentável que precisa ser incentivado e garantido pelos respectivos poderes públicos.
Ter o reconhecimento conferido pelo Conselho Executivo da Unesco é parte do caminho, não o todo. Para se manter com o selo – o que garante credibilidade ao local – é preciso investir na criação e manutenção de infraestrutura ambiental e patrimonial, divulgação, geração e compartilhamento de informações, de políticas que estimulem a criação de empreendimentos regionais inovadores, com produtos e serviços locais. A proposta é gerar ganhos a partir do geoturismo, ao mesmo tempo em que os recursos geológicos da área são protegidos e estudados. E isso precisa ser comprovado em relatórios que serão avaliados por especialistas a cada quatro anos.
Como já disse um filósofo, a evolução nada mais é que a depuração do gosto – ou, acrescento, dos paradigmas. E isso tem tudo a ver em continuarmos nas articulações, como fizemos em reunião no Ministério do Turismo em abril passado, pelo reconhecimento do geoparque Raízes de Pedra (que abrange São Pedro do Sul, São Francisco de Assis, Nova Esperança do Sul, Jaguari, São Vicente do Sul e Mata), que vem envolvendo nos últimos anos um trabalho conjunto entre poder público, instituições de ensino e comunidades.
De favorável – ou melhor, de muito favorável – temos ainda o fato de contarmos nesse processo todo com o comprometimento direto de universidades e instituições educacionais do mais alto nível – como as nossas UFSM, Unipampa e Instituto Federal Farroupilha -, de centenas de pesquisadores e pesquisadoras, estudantes e organizações civis que militam na defesa das bio e geodiversidades, de sítios históricos, do conhecimento e da preservação da vida.
Uma outra visão de mundo – e de desenvolvimento – é possível. E estamos juntos nessa construção. Parabéns a todos e todas que se envolveram na luta dos geoparques Quarta Colônia e Caçapava do Sul e que estão engajados no Projeto Raízes de Pedra.
A caminhada continua.
(foto: Assessoria imprensa PM Silveira Martins)