Proposta por Valdeci, situação da dengue no RS é debatida na Assembleia; precarização da saúde é apontada como principal responsável por surto

O avanço da dengue em todo o estado foi uma das principais pautas da audiência pública realizada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente (CSMA) da Assembleia Legislativa nesta quarta-feira (24). E a precarização das ações e investimentos em saúde pública o principal motivador do que pode ser encarado como uma epidemia. Na abertura da atividade, o deputado estadual Valdeci Oliveira (PT), proponente da audiência, destacou que 458 municípios gaúchos apresentam infestação do mosquito transmissor da doença e, até a última segunda-feira (22), 90 pessoas encontravam-se hospitalizadas, oito das quais em UTIs. Ele também ressaltou que já são 16,5 mil casos de dengue notificados neste ano e nove mil em investigação no Rio Grande do Sul. Nos primeiros cinco meses de 2023, 34 gaúchos morreram em decorrência da dengue. Em todo o ano passado, foram 66 óbitos. “A situação atual é muito grave e exige rigor e prioridade por parte do governo do Estado”, defendeu. O parlamentar ainda cobrou a aplicação de uma lei de sua autoria, aprovada em 2016, que previa a instalação de comitês regionais de crise e enfrentamento da dengue no Rio Grande do Sul. Apesar de a legislação determinar que o estado deveria prover os meios para a constituição dos comitês, passados seis anos, “muito pouco foi feito neste sentido”, afirmou o petista.

Representantes de entidades ligadas à área da saúde também consideraram que o avanço da doença e o aumento de casos graves estão relacionados ao desmonte da atenção básica no estado. “Não adianta orientar a população a procurar atendimento nos primeiros sintomas se não há estrutura para atender. Se a atenção básica fosse eficaz no RS, isso não aconteceria. A atenção básica é a porta de entrada, mas a população tem acesso negado”, apontou a vice-presidente do Conselho Estadual da Saúde, Inara Ruas. A diretora da Divisão de Vigilância Ambiental da Secretaria Estadual da Saúde, Aline Campos, reconhece a gravidade do problema. Segundo ela, a dengue sempre esteve presente no estado, mas nos últimos anos avança em todos os meses. “As pessoas não enxergam isto, mas o sistema vê”, apontou, revelando a circulação de um novo sorotipo da doença no RS. Ela também negou informações de que o estado tenha deixado de fornecer insumos para o combate ao mosquito nos municípios e garantiu que os estoques de inseticida da Secretaria Estadual da Saúde estão normalizados.

Aline alertou, no entanto, que a borrifação de ruas e praças não é o meio mais eficiente para combater o Aedes Aegypti, pois o mosquito procura ficar em lugares escuros, próximos ao chão, dentro das casas. Revelou que o estado está adotando, em parceria com o Ministério da Saúde, métodos que devem ter mais eficácia, como a borrifação dentro das residências e outro processo de contagem de larvas. O projeto-piloto, que tem mostrado resultados promissores, está sendo realizado em três dos 497 municípios do estado. “É um novo método, estamos buscando outras alternativas. A borrifação (mais conhecido também como fumacê) é o último recurso, é o menos eficiente, pois o mosquito está dentro das casas das pessoas. Quando feito nas ruas, mata abelhas e toda a flora que não tem nada a ver com a dengue. Só o utilizamos quando tudo já falhou”, explicou.

Membro do Comitê de Combate à Dengue de Santa Maria, cidade que é a quinta do estado com maior número de notificações e confirmações de casos, o vereador Valdir Oliveira (PT) participou do debate de forma remota e destacou que a fragilização da atenção básica – área responsável pelo atendimento inicial dos usuários do sistema de saúde – no município dificulta o enfrentamento da epidemia. “Não foi feito um trabalho preventivo na nossa cidade. Deixou-se para agir quando já havia um surto. Com isso, a doença se alastrou”, revelou, acrescentando que as políticas do Programa Estratégia da Família estão hoje muito vulneráveis e que a subnotificação de casos de dengue é muito alta.

A diretora do Sindicato dos Enfermeiros, Bruna Elgelmann, agregou outros problemas: falta de preparo permanente das equipes e número reduzido de profissionais na Atenção Básica. Ela defendeu uma política de educação permanente para estes profissionais. “Os trabalhadores e trabalhadoras são cobrados, mas não são capacitados”, apontou, citando também que a redução do número de profissionais por equipe nos últimos anos resultou no cenário atual de aumento significativo de casos.

Para o ex-presidente do Conselho Estadual de Saúde entre 2008 e 2010, Carlos Duarte, há mais de uma década que os números de casos de dengue no RS vem se intercalando entre alto e baixo. “Mas mais alto do que baixo. E eles também são fruto de escolhas políticas, de ações equivocadas, do desmatamento, da falta de saneamento. A cada reunião que realizamos no Conselho os dados nos mostram que a precarização da saúde no estado a fez retroceder. Estamos perdendo qualidade há muito tempo. Temos de enfrentar e mudar nossa forma de encarar a saúde, mudar o paradigma”, alertou, se referindo ao fato de o financiamento da área no Rio Grande do Sul está sempre abaixo nos mínimos constitucionais (tanto em nível federal quanto estadual). “Ele não é respeitado, E as consequências vemos anos após ano”, vaticinou.

No final da audiência, Valdeci cobrou que o estado amplie a circulação de informações sobre a dengue na sociedade por meio da realização de uma potente campanha publicitária, que tenha abrangência nas diferentes mídias e redes sociais. “Nós sabemos que a sociedade só se move a partir de uma avalanche de informações, como foi durante a pandemia. Até porque, alguns dos sintomas são muito parecidos com os da covid-19. O Estado não só pode como deve redirecionar valores de publicidade para peças que tratem do tema. O governo deve ser o propulsor dessas informações, ele deve entender que precisa alertar a população. É imperdoável que ainda tenhamos pessoas morrendo por conta da dengue”, protestou Valdeci.

O presidente da CSMA, deputado Neri, o Carteiro (PSDB), reforçou essa posição ao afirmar que a Comissão vai solicitar que a TV Assembleia veicule conteúdos informativos sobre a doença. A CSMA também vai oficiar a Famurs para que a entidade intensifique sua articulação junto aos municípios para ampliar a conscientização das comunidades.