Por Valdeci Oliveira –
Aproximadamente 2,7 milhões de homens e mulheres que foram fundamentais para que a pandemia do coronavírus não ceifasse a vida de ainda mais brasileiros e brasileiras e que cotidianamente são responsáveis pelo atendimento das pessoas que recorrem a hospitais, clínicas e postos de saúde estão à espera do cumprimento da lei que garante um piso salarial digno para exercerem suas atividades. No RS, são mais de 130 mil profissionais.
Lei, diga-se, aprovada em agosto do ano passado, sancionada este ano, que possui segurança jurídica e recursos orçamentários para o seu cumprimento. Falo da Lei do Piso da enfermagem, apresentada pelo senador Fabiano Contarato (PT/ES) e que institui o mínimo de R$ 4.750 para enfermeiros e enfermeiras; R$ 3.325 para técnicos e técnicas; e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras. E como se vê, valores longe de serem proibitivos de serem pagos. Mesmo abaixo do reivindicado, foi uma vitória, considerando-se as décadas de luta e a realidade que faz com que os profissionais da categoria recebam, em inúmeros casos, pouco mais de dois salários mínimos – e em se tratando de auxiliares e parteiras, nem isso.
É sempre importante frisar que, ao tratarmos desse tema, que acompanho de perto desde que cheguei ao Parlamento gaúcho, há 13 anos, e onde coordeno a Frente Parlamentar em defesa dessa pauta, a Constituição Federal determina que é direito dos trabalhadores o “piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho”. Da mesma forma, existe uma emenda constitucional garantindo segurança jurídica à questão, assim como o financiamento em apoio à medida por parte do governo federal, que já enviou a maior parte dos R$ 7,3 bi previstos via Fundo Nacional de Saúde (FNS) aos entes federados, pois a implementação envolve uma relação tripartite, em que a União presta ajuda complementar, não eximindo estados e municípios das suas respectivas responsabilidades.
É crucial que a sociedade brasileira se aproprie desse tipo de informação, pois a saúde pública está diretamente vinculada a esses profissionais. O fato é que não podemos mais adiar essas questões, evitando-se prosseguir com dúvidas e diferentes entendimentos.
E nesse enredo, mesmo com o FNS fazendo as transferências, há inúmeros casos de trabalhadores e trabalhadoras (85% da categoria da enfermagem brasileira é composta por mulheres) que tiveram descontados os impostos patronais ou não obtiveram todo acréscimo a seus contracheques por conta de interpretações quanto à abrangência da aplicabilidade sobre seus proventos. No caso dos trabalhadores do setor privado, a situação é ainda mais preocupante. Contrária, não de hoje, ao estabelecimento de um piso salarial, a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Saúde, que defende os interesses empresariais, chegou a entrar com uma ação direta de inconstitucionalidade para se eximir de cumprir a medida. Com o insucesso, buscaram o Tribunal Superior do Trabalho para parcelar em alguns anos o pagamento.
Sempre digo que as homenagens e aplausos recebidos pela enfermagem durante e após a crise da covid-19 comovem e enchem de orgulho os homenageados, mas não resolvem a desvalorização profissional a que são submetidos há décadas.
A regulamentação da profissão no Brasil foi sancionada há 68 anos, em 1955, pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. Mas como agora, outros interesses se mostraram mais poderosos, e os artigos da lei que descreviam tanto o piso como a jornada de trabalho foram vetados pelo então presidente. Passadas quatro décadas, em 1996, o Congresso aprovou um novo projeto – o tema é de iniciativa legislativa -, estabelecendo as 30 horas como período semanal. Mas assim como Dutra, Fernando Henrique Cardoso, o presidente na época, o vetou.
E na virada do milênio, outra tentativa e, pelo menos até aqui, uma vitória parcial. Na ocasião, o Senado aprovou o PL 2295/2000, estabelecendo a carga horária reivindicada. Mas somente uma dúzia de anos depois ele entrou na pauta da Câmara. Sem quórum para ser votada, encontra-se até hoje para ser apreciada.
Como vemos, a novela é longa. Na última quarta-feira, 1, realizamos mais uma audiência na Assembleia Legislativa para tratar da implementação do piso no RS. A pressão por maior transparência nas informações, a necessidade de um indexador que garanta o poder de ganho e a criação de um grupo de trabalho formado por representantes de entidades de classe e de gestores públicos foram as principais deliberações tiradas. Também foi definida a organização de reunião no Ministério da Saúde, em Brasília, e a elaboração de pedido de informações à Federação dos Municípios do RS sobre os principais entraves enfrentados pelas gestões.
A organização da enfermagem gaúcha e brasileira continua de pé. E como cidadão e parlamentar permaneço somado a ela.
A luta continua e não vai parar até que essa grande conquista chegue de fato na ponta, nos profissionais que, todos os dias, protegem a saúde e a vida dos brasileiros e brasileiras.
(Foto: Pedro Ventura/EBC