Por Valdeci Oliveira –
Num mundo regido pelos interesses que buscam colocar etiquetas com preços em tudo, inclusive na vida, a cada nova Feira Internacional da Economia Solidária e do Cooperativismo (Feicoop) de Santa Maria que participo – a 29ª edição ocorreu neste mês – é como se uma lufada de certeza chegasse até mim para reafirmar – e mostrar – que sim, uma outra relação social é possível de ser estabelecida.
Sinônimo de coletivo, a Feicoop tem à frente o Projeto Esperança/Cooesperança da Arquidiocese de Santa Maria. Ao longo do caminho, mais braços se juntaram à tarefa de mostrar que a estrada para a cidadania e a inclusão não somente pode como deve ser percorrida por todos e todas que acreditam e pregam a relação harmoniosa entre seres humanos e a natureza e praticam a não exploração alheia. São mulheres e homens que não desistem de mostrar que desenvolvimento e participação não são contraditórios, que para um ganhar o outro não precisa perder.
Não é de hoje que a Feicoop se consolidou como o maior evento da nossa cidade e da Região Central, sendo a grande referência quando o assunto é economia solidária no Brasil e na América Latina. Ir à Feira é saber que lá encontrarei parceiros e parceiras de meio século de jornada, que verei grupos de jovens como sua inquietude contagiante de busca pela justiça social. Lá encontrarei um cenário pulsante, com ideias vivas circulando, com debates sendo feitos e opiniões compartilhadas.
E isso nos anima a seguir em frente, contaminados que somos pela energia presente, onde a fome, quando aparece, é de saber, de aprender e de compartilhar. Onde o compromisso assumido é o da construção de iniciativas em rede, tendo o protagonismo da organização popular e a defesa da democracia em todos os espaços de organização da vida em sociedade.
Da desconfiança e descrédito de muitos, nomes como Dom Ivo Lorscheiter, nosso saudoso bispo de Santa Maria, Irmã Lourdes, Zeca Peranconi, entre outros homens e mulheres de movimentos e organizações sociais do campo popular, uniram forças e plantaram uma semente que, pouco a pouco, cresceu, se desenvolveu e se agigantou: neste 2023 foram mais de 80 atividades, 600 inscrições de expositores, 150 mil participantes vindos de oito países e dos 27 estados brasileiros e do Distrito Federal. E quem por lá circulou, foi levado pelos ideais que se mostram realizáveis a partir da articulação, da troca de ideias e experiências de comercialização solidária direta, sabendo que é possível sonhar com um mundo melhor.
Partindo do slogan “Construindo a sociedade do Bem Viver: por uma Ética Planetária”, o intuito da Feira continua sendo o protagonismo dos pequenos e o de mostrar, na prática, alternativas de empreendimentos sociais que atuam pela geração de trabalho e renda, a importância do diálogo entre os povos, a necessidade do fortalecimento de comunidades e que a formação de alianças com viés popular e inclusivo são alternativas reais para que tenhamos um futuro mais justo.
E mal terminada a sua 29ª edição, a organização já debruça esforços para desafios e eventos ainda maiores, ainda mais simbólicos e proféticos em Santa Maria: em 2024, acontece a efeméride dos 30 anos da Feicoop e, em 2026, é a vez da quarta edição do Fórum Social Mundial da Economia Solidária. E novamente, como faz há mais de três décadas, a Irmã Lourdes Dill, mesmo distante 9 mil km de Santa Maria, estará contribuindo e construindo com esta experiência fantástica que faz parte do patrimônio cultural da cidade.
Atualmente atuando em Barra do Corda, no Maranhão, onde atua na Diocese de Grajaú, ela, em outubro próximo, embarcará para Moçambique, na África, para uma missão de dois anos. Irmã Lourdes estará acompanhada das colegas gaúchas Irmãs Ilca Welter, Rita Finkler e Maria Madalena de Andrade para um trabalho desenvolvido há 29 anos pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com a Igreja de Nampula, província onde fixarão residência.
Tenho certeza de que a existência de um oceano entre Moçambique e Santa Maria não será empecilho para que a inquietude de Irmã Lourdes nos contagie e que ela continue ainda mais firme na defesa do protagonismo da organização popular, da vida coletiva e da democracia em todas as esferas.
Com a Feicoop, os ensinamentos de Dom Ivo e a dedicação incansável da Irmã Lourdes e dos integrantes do Projeto Esperança/Cooesperança, temos a clareza que o mundo e as relações pessoais são mais do que consumo e os sujeitos mais que meros consumidores.