A história da adoção no Brasil é uma estrada longa e tortuosa, cuja legislação caminhou a passos lentos, sendo ainda necessário que cada um de nós faça a sua parte para que esse trajeto seja vencido com menos traumas, mais agilidade e com políticas públicas que garantam sua efetividade e a integridade das crianças. Com a aprovação na última terça-feira (13) do projeto de lei 282/2019, de nossa autoria, esperamos ter contribuído com a humanização desse processo que equivale a uma segunda chance na vida de milhares de pequenos seres humanos.
A partir dessa nova legislação, que deverá ser sancionada em breve pelo governo do estado, aqui no Rio Grande, meninos e meninas não vão mais precisar esperar sair a sentença de adoção para usar o nome definido pela nova família em consenso com o adotado. E em se tratando de guarda provisória será possível fazê-lo, seja em escolas, postos de saúde e outros locais.
O nome afetivo representa o começo de uma vida nova para muita gente que conviveu com episódios de violência e abandono desde o nascimento. Sabia pouco sobre os inúmeros trâmites burocráticos a serem vencidos por quem se dispõe a acolher em seu lar aqueles que nem isso possuem, quem a vida, pelas mais variadas circunstâncias, lhes negou um direito natural, uma necessidade vital para a formação do seu caráter e para a vivência com dignidade. Mas com a sugestão feita por amigos e amigas que dedicam suas vidas a lutar por essa chance, que se configura entre a diferença de alguém ter ou não uma família, estudei a legislação, pesquisei histórias com e sem final feliz, me deparei com estatísticas que fogem à racionalidade tamanho o número de crianças cuja rotina é viver à espera de um acolhimento saudável. São “pequenos” e “pequenas” cujas existências, por vezes, são recheadas de solidão e de sofrimento. Além da provocação daquelas que chamo de nobres e incansáveis guerreiras do GAIA, que é o Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção de Santa Maria, para que eu apresentasse um projeto que dialogasse com uma das suas demandas, me foram apresentados experiências que, mais do que ampliar o meu respeito ao Grupo, fizeram com que me debruçasse sobre a matéria.
Assim, me deparei com uma realidade sem maquiagem cujas verdadeiras dores são sentidas, principalmente, por aqueles que foram condicionados a uma existência permeada pela absoluta carência econômica, pelo uso de drogas dos seus progenitores ou pela orfandade precoce.
Até pouco tempo, a história da adoção no Brasil poderia ser contada como um misto de descaso, inoperância do Estado, chance para aproveitadores e por um solene ignorar de boa parte da nossa sociedade. A primeira legislação acerca do tema surgiu há 105 anos e era muito restritiva, possibilitando a prática apenas a casais ou pessoas sem filhos e com mais de 50 anos. E também permitia que o processo fosse desfeito, bastando para tal alegar que o adotado tivesse cometido algum tipo de ingratidão, o que transformava adotados em reféns da sua própria condição, em seres de “segunda classe”, cuja vida dependia de um favor alheio. Mesmo assim, pode-se dizer que isso representava um avanço para a época, pois antes praticamente nenhum direito era conferido a adotantes e adotados. Quem ganhava um lar sequer tinha acesso à herança, caso houvesse, dos pais adotivos. Era preciso o aval de um juiz.
Desde então, diversas evoluções de caráter legislativo surgiram, principalmente a partir do final da década de 1950, sendo a Constituição de 1988 talvez a mais significativa, garantindo, entre outras questões, a igualdade de direitos entre os filhos biológicos e adotivos. Este e outros avanços viriam a ser regulamentados dois anos depois pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). E mesmo se tratando de legislação federal, os estados também podem conferir algumas mudanças.
Hoje posso afirmar, com a aprovação do projeto, que me tornei um ser humano um pouco melhor, mesmo tendo consciência de que não fiz mais do que minha obrigação enquanto legislador e pessoa comprometida com a construção de um mundo mais justo e solidário.
Os 52 votos a favor da lei do uso do nome afetivo são resultado de uma construção coletiva, do diálogo fraterno e da união de esforços, quesitos fundamentais para a busca de qualquer melhora na vida das pessoas. E, por isso, serei eternamente grato à parceria que o GAIA me proporcionou para avançarmos na luta, que é contínua, pela qualificação da adoção de crianças e adolescentes, e aos companheiros Valdir Oliveira e Luciano Guerra, que, a partir da atuação realizada na Câmara de Vereadores de Santa Maria, articularam os contatos com a direção do Grupo ainda no primeiro semestre de 2019.
Muito ainda precisa ser feito e muito preconceito precisa ser desconstruído para que as mais de 650 crianças e adolescentes que esperam por uma família no RS encontrem quem os acolha. E o nosso mandato, que não pertence a mim, mas à sociedade, estará sempre à disposição, sempre ao lado dos que mais precisam.
*Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br