Por VALDECI OLIVEIRA –
Já são mais de 40 universidades e institutos federais que emitiram notas e comunicados se posicionando contra a adesão ao Future-se, projeto lançado em julho pelo Ministério da Educação (MEC) para, oficialmente, “estimular” a captação de recursos privados para a universidade pública. Em praticamente sua totalidade, tendo apenas algumas diferenças em termos de conceito em um ou outro ponto do projeto, os Conselhos Universitários são unânimes na avaliação que a proposta do MEC viola a autonomia – financeira e administrativa – das universidades e coloca sob o desejo e interesse do mercado a orientação e as respectivas produções de pesquisas científicas.
Como era esperado, a Universidade Federal de Santa Maria juntou-se às federais do Amazonas, de Roraima, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Amapá, entre outras, e também se posicionou contrariamente ao projeto. Em seu comunicado, o Conselho Universitário da UFSM (Consu) destaca estar “permanentemente disponível para o diálogo, para o debate de ideias e para a construção coletiva de projetos e soluções, que efetivamente alicercem a soberania da nação brasileira e que tenham como base a construção de uma sociedade que alie educação, ciência, tecnologia, desenvolvimento econômico, inclusão e justiça social.” Quem conhece a história da nossa UFSM e do seu corpo diretivo sabe da sinceridade e seriedade de cada uma dessas palavras.
Entre as propostas que formatam o Future-se, estão incluídas a venda de bens públicos pelas organizações de direito privado que estiveram associadas às universidades, além de que as instituições serão “incentivados” a buscar “rentabilidade” às suas produções acadêmicas, quando sabemos que, em muitos casos, as pesquisas, por mais importantes que sejam, não atendem aos patamares de lucro exigidos pelo mercado, que será o investidor e dono do conhecimento advindo do trabalho acadêmico. Quantas pesquisas serão deixadas de lado por não atenderem a essa expectativa?
Lançado em julho, o Future-se prevê a criação de um fundo privado – ou seja, dinheiro de investidores – para financiamento das federais e a inserção de OSs (Organizações Sociais) na gestão dessas instituições, influindo e atuando da administração financeira ao ensino. Na prática, o projeto do MEC ferirá de morte a fundamental autonomia das nossas universidades e fará com que o desenvolvimento científico, o estimulo à inovação e à produção de patentes fiquem atrelados aos interesses privados que, sabemos todos, em muitos casos, não são os mesmos do restante da sociedade.
Se bem lembrarmos, a proposta do governo federal não veio isolada. Ela tomou corpo na esteira da “Escola sem partido” – onde alunos são incentivados a espionar e denunciar professores por uma suposta doutrinação marxista-comunista – e do cerceamento de atividades no espaço acadêmico. Além disso, numa ação constante de diversionismo, o próprio governo busca incutir no imaginário popular de que as universidades públicas brasileiras se transformaram nos últimos anos em antros de balbúrdia, e consumo de drogas. Um rol de mentiras, meias verdades e informações falsas e contraditórias.
O obscurantismo em estado bruto – que, infelizmente, ganhou terreno considerável na nossa sociedade – esconde da sociedade, por exemplo, que a Universidade de São Paulo (USP), pública, é considerada há quase uma década a melhor universidade brasileira, segundo estudo elaborado pela organização inglesa Times Higher Education, instituição que produz atualmente uma das mais conceituadas avaliações educacionais do mundo. Segundo essa instituição, o Brasil conseguiu incluir, em 2019, 46 universidades na lista das melhores do mundo. Em 2018, esse número era de 35. Com a classificação, passamos de nono lugar para o sétimo. Mas o dado mais relevante, em minha opinião, é que das 11 universidades brasileiras melhor avaliadas oito são federais ou estaduais. Hoje, é bom que saibamos, por mais que o governo e o MEC tentem também omitir, praticamente 95% de toda a pesquisa científica produzida no país vem das mentes abrigadas – e bancadas – por nossas instituições públicas.
Não há como justificar, nesse cenário avalizado por uma entidade estrangeira de renome, o corte de cerca de 30% dos recursos das universidades e institutos federais, e que em alguns casos chegaram a 52%. Nunca é demais lembrar que, como sustentou a OAB em petição ajuizada junto ao STF, a educação é um direito garantido pela nossa Constituição Federal e que integra o conjunto de pilares do Estado democrático de direito.
O Future-se faz parte de um conjunto de ações políticas coordenadas com diferentes setores conservadores da sociedade e que inevitavelmente levarão ao sucateamento do ensino público superior. A sociedade precisa ficar atenta e perceber que o Future-se não nos oferece futuro algum. A posição majoritária de docentes, estudantes, entidades de classe representativa dos trabalhadores e reitores das universidades públicas brasileiras, amplamente contrárias ao projeto, tem de ser conhecida maciçamente e levada em conta, sob o sério risco de não oferecermos futuro algum às próximas gerações.
Foto: Michele Guimarães