Tema foi discutido nesta quarta-feira, 1/11, na Assembleia Legislativa, em audiência pública proposta pelo deputado Valdeci Oliveira
A pressão por maior transparência nas informações, a necessidade de um indexador que garanta o poder de ganho dos valores aprovados e a criação de um grupo de trabalho formado por representantes das entidades de classe e de gestores públicos foram as principais deliberações tiradas pela audiência pública que debateu a implementação no RS da lei que criou o piso nacional da enfermagem. O encontro, proposto pelo deputado Valdeci Oliveira e realizado nesta quarta-feira, 1, pela Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, colocou em debate os diversos problemas que enfermeiras e enfermeiros vêm enfrentando para receber os valores em seus salários.
Aprovada no ano passado, a lei do piso nacional da categoria, de autoria do senador Fabiano Contarato (PT/ES), só saiu do papel na atual gestão federal, que assumiu o compromisso com a sua efetivação. Durante este ano, os profissionais receberão nove parcelas referentes ao Piso de forma retroativa a maio de 2023, incluindo o 13º salário. O governo federal alocou R$ 7,3 bilhões, em crédito especial, para os repasses. Porém, há impasses quanto à sua implementação, o que acaba gerando diferenças no entendimento e levando ao não cumprimento da lei em alguns estados, como o RS, assim como em municípios e, principalmente, na rede privada. “Não podemos mais adiar essas questões. Tem lei, e lei tem que ser cumprida. Não podemos ter uma legislação só para acalmar o movimento legítimo desses profissionais. Não dá para aprovar a lei, superar as inseguranças jurídicas e mesmo assim prosseguir com uma série de dúvidas e diferentes interpretações. Esse direito já está atrasado. Temos uma dívida com esse setor importante da sociedade e precisamos resolver, afinal são mais de 50 anos de luta, afirmou Valdeci, que, na Assembleia, coordena a Frente Parlamentar das 30 Horas e do Piso Salarial.
Entre os entraves estão as diferenças de entendimento sobre a aplicação ou não sobre parcelas remuneratórias conquistadas ao longo das carreiras, dificuldade no acesso a informações que possibilitem o cruzamento de dados sobre o que os entes federados, principalmente municípios, receberam do governo federal e o equivalente repassado aos trabalhadores, descontos de Imposto de Renda. O Fundo Nacional de Saúde transferiu três parcelas, mas há inúmeros casos de trabalhadores que tiveram descontados os impostos patronais. “O Estado não nos dá transparência com relação às transferências que estão indo para os trabalhadores. Há servidores que o complemento deveria ser de mil reais, mas estão recebendo R$ 690 e não sabem por quê. Não há clareza”, protestou Júlio César Jesien, presidente do Sindisaúde RS, um dos maiores sindicatos do estado e o maior da área da saúde. “Não adianta a sociedade acender e apagar a luz para os trabalhadores da saúde, se não houver reconhecimento efetivo à remuneração que esses têm o direito de ter”, defendeu o deputado Pepe Vargas. Segundo a deputada Luciana Genro, a questão vai muito além do setor público. “Temos de ressaltar o problema dos trabalhadores do setor privado. As clínicas e home cares não estão pagando, e isso é muito grave”, denunciou a deputada Luciana Genro.
O presidente da Federação dos Trabalhadores em Saúde do RS, Milton Kempfer, alertou para o fato do piso ter sido aprovado como um valor pecuniário e por não ter, ainda, formas de indexação (correção salarial) definidas. De acordo com o dirigente, a forma como ele está sendo implementado estaria mais como complemento de uma lei nos hospitais filantrópicos, além de que há preconceito e má vontade dos gestores públicos em relação aos trabalhadores em geral. Em sua avaliação, se não houver um mecanismo para o reajuste do piso, ele se transformará, com o tempo, em salário mínimo e perderá a validade. “Temos que lutar e pressionar os parlamentares para que esteja na LOA do ano que vem e que tenha um reajuste acima dos R$ 10,4 bi previstos”, afirmou. “O setor privado aqui do estado pouco está cumprindo o piso da enfermagem, sejam as Unimeds, clínicas e hospitais privados. E aí as propostas que surgem na mesa (de negociação) é cumprir (a lei) até 2025, sendo 40% esse ano, 20% ano que vem, mais 20% no último ano para chegar lá, em 2025, cumprindo o piso da enfermagem, o que é um absurdo. Existe também uma falta total de transparência em relação aos pagamentos. A gente não consegue saber, de fato, quanto veio no CPF de cada técnico de enfermagem e quanto que o hospital efetivamente pagou”, exemplificou Cláudio Franco, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do RS.
De acordo com Inara Ruas, vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde (CES), as dificuldades estão acontecendo no país inteiro e quem está atrapalhando é a Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Saúde, entidade patronal, que está fazendo propostas de parcelamento do pagamento do piso.
O presidente do Conselho Regional de Enfermagem (CRE), Antônio Tolla, comentou que cabe às pessoas entenderem a importância da enfermagem na sociedade e no cuidado à saúde. Também destacou a importância das mulheres no setor, que representam 85% da categoria, e que muitas delas são quem sustentam a família. “Precisam garantir – um salário razoável que as reconheçam. Se hoje o piso não está sendo colocado, é por incompetência de gestão. Foram 50 anos de luta e ninguém se preparou para isso. Nem a verba que vem do Ministério da Saúde está sendo repassada aos trabalhadores. É no mínimo falta de respeito e consideração. E quando trago a questão do machismo estrutural é isso: há pouco caso e pouca visão em relação a esse tema, porque 85% da categoria (da enfermagem) é formada por mulheres. Os gestores não conseguem entender isso. São as mulheres que levam o SUS para frente”, pontuou.
Na próxima semana, o Grupo de Trabalho deverá ser formado com a indicação dos representantes das respectivas entidades de classe da categoria para definição e planejamento das ações a serem efetivadas. Uma reunião no Ministério da Saúde, em Brasília, está entre as prioridades. Pedido de informações à Federação dos Municípios do RS (FAMURS) sobre os principais problemas e entraves enfrentados pelas gestões para a efetivação da lei – como a criação via decreto ou legislação própria – é outro ponto a ser trabalhado já nos próximos dias.
Histórico
A questão do Piso da Enfermagem é uma luta que vem de longe, de muitas décadas. A regulamentação da profissão foi sancionada há 68 anos no Brasil, em 1955, pelo então presidente Eurico Gaspar Dutra. Mas os artigos da lei que descreviam o piso salarial e a jornada de trabalho de 30 horas foram vetados pelo então presidente. Passados 40 anos, em 1996, a luta nacional organizada pela categoria conseguiu aprovar no Congresso um projeto estabelecendo as 30 horas como jornada semanal, vetado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Na década seguinte, a pauta retornou através do Senado Federal e, numa tramitação que durou duas décadas, novamente as “30 horas” foram aprovadas em 2020, mas ainda aguarda votação na Câmara dos Deputados.
Já a lei do Piso Nacional foi aprovada em agosto de 2022 e prevê a seguinte base de remuneração para a categoria: R$ 4.750 para enfermeiros e enfermeiras; R$ 3.325 para técnicos e técnicas em enfermagem; e R$ 2.375 para auxiliares e parteiras.