A falta de dados e de políticas públicas efetivas para o tratamento da população acometida pelas diferentes sequelas da covid-19, muitas delas consideradas graves, foi a tônica da reunião realizada na manhã desta quarta-feira (23) entre o presidente do Parlamento, deputado Valdeci Oliveira (PT), e representantes da Associação das Vítimas de Covid-19 (Avico), da Associação Nacional em Apoio e Defesa dos Direitos das Vítimas da Covid19 – Vida e Justiça, Conselho Estadual de Saúde (CES) e Conselho Nacional de Saúde (CNS). O encontro de seu de forma presencial e remota.
Devido à dimensão e gravidade do problema, foi deliberado pela criação de uma Frente Parlamentar em Defesa das Vítimas da Covid-19 e a realização de uma audiência pública com a participação do maior número possível de atores envolvidos com a questão – da Secretaria Estadual da Saúde (SES), sociedade civil e Universidades Federais, entre outros para, a partir delas, formatar encontros regionais para discutir ações que auxiliem na construção de políticas públicas às pessoas que tratam ou precisam de acompanhamento por conta das sequelas da doença.
O objetivo principal das medidas é o de organizar ações coletivas para, além de garantir acesso aos mais diferentes tratamentos, compartilhar com a sociedade e com os gestores públicos informações tidas como “invisíveis” pela sociedade, como o número de órfãos, as demandas reprimidas, os tipos de enfermidades a que as vítimas estão sujeitas ao longo do tempo e, principalmente, a carência de informações, uma vez que há falta de convergência entre os sistemas nacional e estaduais. “Precisamos dar visibilidade às vítimas e aos órfãos, muitos completamente desassistidos. Mas para isso é preciso a participação do setor público. E também por isso queremos que seja criada uma Frente Parlamentar em defesa das vítimas”, afirmou a vice-presidente do CES, Inara Beatriz Amaral Ruas. Segundo ela, os dados hoje disponibilizados se concentram em número de contaminados, recuperados e óbitos, ignorando completamente as pessoas que ficaram acometidas por tromboses, doenças articulares e neurológicas que se manifestam meses depois da contaminação. “Dos 12% que deveriam ser investidos em saúde pública pelo estado, somente 7,4% foram efetivamente realizados. É preciso que esses outros 5% sejam destinado às vítimas”, avalia Ruas. “Todos somos vítimas da pandemia, mas um contingente alto da população continua acometida por outras doenças ocasionadas pelo vírus. Além disso, não existem, ou pelo menos não se tem acesso, a dados qualificados de pessoas assintomáticas que também sofrem hoje com doenças respiratórias, entre inúmeras outras”, avalia a médica Rosângela Dornelles, coordenadora nacional da área da saúde da Associação. “Sem informações confiáveis não há como criar ações de resultado efetivo. As pessoas não estão tendo acesso a medicamentos e a tratamentos como fisioterapia respiratória, que são fundamentais”, pondera a profissional.
Segundo relato dos presentes, por não haver essa “conversa” entre os sistemas estaduais e nacional, muitos dados estão numa espécie de limbo, o que dificulta ter uma visão mais ampla sobre a abrangência da doença. “Além disso, não se está registrando as moléstias como Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), reconhecido pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST), o que faz com que as pessoas não tenham direitos garantidos em lei”, explica Dornelles. “Temos também um grande número de profissionais da saúde com sequelas diferenciadas que vão de leve a graves, mas para o Rio Grande do Sul essas pessoas estão invisíveis”, sustentou Paola Falceta, que atua frente à Avico. “Segundo matérias jornalísticas, a estimativa é de que no estado haja mais de 500 órfãos, mas sabemos que há muito mais, não há um levantamento oficial. Não sabemos quem são, quantos são, o Ministério Público não sabe, o Conselho Tutelar não sabe e o governo também não sabe. Quem tem estes números são os cartórios de registros de nascimentos e óbitos”, explicou, acrescentando que por meio deles há a possibilidade de monitorar os números, “mas precisamos que a Assembleia e o poder público nos auxiliem”, argumentou.
Para o presidente do Parlamento gaúcho, as demandas apresentadas se encaixam nas ações previstas da gestão e, além de necessárias, são perfeitamente factíveis. Desta forma, Valdeci orientou que o Fórum Democrático, juntamente com as organizações, de forma coletiva, articule a realização dos debates. Valdeci também afirmou ser possível buscar informações mais detalhados e confiáveis a partir de parcerias com a Universidade Federal de Pelotas, por exemplo. “O professor infectologista Pedro Hallal (ex-reitor da Ufpel), já se colocou à disposição para auxiliar no levantamento de dados mais amplos”, disse, defendendo que haja uma grande mobilização, não só dos presentes no encontro, mas da sociedade como um todo. “Não podemos naturalizar o que está acontecendo. Há interesse de alguns setores em não divulgar as mortes e outros dados, mas precisamos dar visibilidade às vítimas para que o Estado estabeleça políticas públicas voltadas a elas”, assegurou o chefe do legislativo estadual.
O encontro também contou com a participação de representantes dos mandatos dos deputados Pepe Vargas e Jeferson Fernandes, além do presidente do Conselho Nacional da Saúde, Fernando Pigatto.