No último dia 6 de junho, o nosso mandato protocolou na Assembleia Legislativa um projeto que busca contribuir com a humanização dos processos de adoção no Rio Grande do Sul. É uma pequena – mas importante – contribuição a um tema muito caro a nossa sociedade e às nossas crianças e adolescentes que estão à espera de um lar para viver, uma família para que possam compartilhar seus anseios, necessidades e desejos. Trata-se do PL 282/2019, que dispõe sobre o uso do nome afetivo nos cadastros das instituições escolares, de saúde, cultura e lazer, por crianças e adolescentes sob guarda provisória, no processo de adoção. O nome afetivo é a designação pelo qual eles passarão a ser identificados pelos pais e mães de coração, quando adotados ou pelo qual já se identificam e são socialmente reconhecidos, diferindo de seu nome civil.
Em nossa justificativa destacamos que, em um processo de adoção, pelo qual são rompidos os vínculos com o passado da criança ou do adolescente, é difícil para a esses iniciarem essa nova vida e, ao mesmo tempo, carregar o peso de uma história muitas vezes trágica, por vezes recheada de violência, de solidão e de abandono, materializada no nome que receberam no nascimento. Buscamos, ademais, preservar a criança e o adolescente de forma plena, respeitando os direitos estabelecidos no Estatuto da Criança e do Adolescente.
Confesso que conhecia pouco desse tema até ser provocado pelas nobres e incansáveis guerreiras do GAIA, que é o Grupo de Apoio e Incentivo à Adoção de Santa Maria. Fui atrás de leituras, dados, entrevistas e relatórios. E me impressionei.
Não estamos inventando a roda com essa proposta. Nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso do Sul essa autorização já existe. Devemos levar em conta que toda ação neste sentido deve ser pensada para melhorar a vida dessas crianças, em sua maioria oriundas de famílias muito pobres, por vezes desestruturadas e cujas pais e mães são dependentes químicos.
Além disso é preciso levar em conta os enormes problemas que vivemos quando o assunto é adoção no Brasil. Assim, considero que toda ajuda e contribuição que facilite, promova e torne menos traumático o processo seja bem-vindo.
Aqui, quando não se dá de forma tardia, há preferências a bebês, brancos e do sexo feminino. Levando-se em conta apenas o tom da pele, segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA) as pessoas que condicionam o ato de adotar a este perfil chegam próximo de 15%. O CNA, que é vinculado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também nos mostra que hoje existe perto de 46 mil pessoas com interesse em adotar uma criança sem lar. Por outro lado, existem, no Brasil, quase 10 mil pequenos seres humanos aptos para serem adotados e mais de 47 mil com situação indefinida e inseridas em programas de acolhimento institucional, vivendo em abrigos. Indo além da frieza dos números, vemos que existe um exército de crianças e jovens sem um lar e cujo o destino – se positivo ou negativo – de suas vidas dependerá quase exclusivamente da decisão de alguém querê-los ou não.
É um cenário triste, pois ainda conforme os dados do Conselho, perto de 62% das pessoas não têm interesse em adotar irmãos, mesmo índice das crianças que estão em abrigos e que são pardas e negras; 73%, tem mais de 5 anos (apenas 4,1% têm menos de 4 anos); 26% tem algum tipo de deficiência ou doença crônica; e 55% tem irmãos ou irmãs. Ou seja, as crianças e adolescentes que integram o cadastro do CNA é muito diferente dos “desejos” daqueles que estão dispostos a adotar.
No nosso estado, apesar de termos perto de 5 mil acolhidos, temos pouco mais de 650 crianças e adolescentes que preenchem os requisitos necessários e que estão à espera de uma família que os adote. Mas a grande maioria entra na classificação de difícil colocação, pois tem irmãos – e a recomendação é que sejam pelos mesmos pais – ou são portadores de alguma doença ou de deficiência, ou seja, estão fora do padrão “desejado”.
Por isso, escrevi no início deste artigo que o nosso projeto é uma pequena contribuição diante de uma realidade muito triste e dura, onde sobre preconceito e falta solidariedade. De qualquer forma, espero ajudar, mesmo com essa simples proposta, com a transformação da realidade daqueles que hoje dependem da vontade dos outros para que tenham uma chance concreta de se tornarem adultos saudáveis, com perspectivas de vida e, talvez, que venham, no futuro, se tornarem eles também pais e mães adotantes.