O título acima poderia ser Alan Oliveira, Augusto da Silva, Carlos Alexandre Machado, Carolina Real, Emersom Paim, Lucas Teixeira, Shaiana Teixeira, Pedro Morgental e tantos outros nomes. Escolhi Maria Mariana porque, entre as vítimas fatais da tragédia que abala Santa Maria desde a madrugada do última domingo, ela era pessoa que mais conhecia. O sorriso sempre impregnado no rosto e a admiração pelo cantor Luan Santana disfarçavam a postura dedicada e engajada da jovem de 18 anos que cursava o segundo semestre do Curso de Medicina Veterinária da UFSM. Além da preocupação com os estudos, Maria Mariana acalentava o desejo de viver em um mundo mais justo. Por essa causa, militava ativamente na juventude do Partido dos Trabalhadores e, na última campanha eleitoral, destacou-se pela disposição e pela empolgação nas atividades.
Assim como outros jovens, Maria Mariana, com seu jeito e suas atitudes, representava o novo Brasil, pelo qual muitos lutam e constroem. Neste novo Brasil, os jovens, mesmo os de origem humilde como ela, estudam, frequentam os bancos universitários, se especializam, trabalham e escalam a íngreme pirâmide social nacional. Neste novo Brasil, os jovens são engajados com o mundo em que vivem, independente da visão política que tenham. Pois o novo Brasil dela, do Alan, do Carlos, da Carolina, do Lucas, da Shaiana, do Pedro e de tantos outros que estavam dentro da Kiss, foi interrompido justamente, no último domingo, pelo velho Brasil que queremos distância. O velho Brasil é o país do jeitinho e é o país onde a ganância se sobrepõe à segurança. É o pais que, em tragédias evitáveis, perde mais de 230 vidas – que logo ali adiante estariam contribuindo para o futuro da nação como médicos veterinários, engenheiros agrônomos, zootecnistas e pedagogos.
Nos próximos dias vamos debater muito se o culpado é quem soltou o foguete, quem barrou a saída dos frequentadores, quem não abasteceu os extintores ou se a falha foi de fiscalização ou controle. Melhor seria afirmar: não existe um responsável, o conjunto da sociedade é culpado. Quem apoia o Poder Público, quando este amplia o rigor fiscalizatório contra estabelecimentos destinados à diversão pública, como as boates? Eu fui prefeito municipal e lembro bem que quando, por diversas vezes, exigimos o cumprimento da lei e embargamos casas de diversão locais fomos alvo de pressões e de diversas liminares junto à Justiça para reabertura de espaços problemáticos.
Quem, afora o público frequentador de casas noturnas, sabia que “sputniks” são espocados de forma natural e frequente em meio a um show musical realizado em um ambiente fechado e superlotado? Quem, antes da tragédia, defendia e clamava por pentes-fino nas casas noturnas para saber se os estabelecimentos tinham saída de emergência iluminada e adequada? São poucos, melhor, muito poucos os que defendem essas atitudes enérgicas como prática cotidiana. Em geral escutamos que fiscalizar boates pode inibir a geração de empregos, pode desaquecer a economia ou pode incomodar o dono da boate, que, em geral, é uma pessoa influente na sociedade.
Inevitavelmente, o jeito agora é pouco a pouco juntar os cacos da nossa auto-estima que estão espalhados um bem longe do outro. Não há outra forma. Vamos ter de aprender a lição enquanto sociedade da forma mais dolorosa possível, assistindo impotentes 235 vidas acabarem em um local que deveria ser de diversão, de risada, de beijo (em inglês, kiss) e de abraço. O que a tragédia não pode nos impor é a resignação ou a prostração. Dentro de algum tempo nossas cabeças terão de ser reerguidas para prosseguirmos a construção do novo Brasil que a Maria Mariana, o Alan, o Carlos, o Lucas, a Shaiana, o Pedro e tantos outros seriam protagonistas inevitavelmente.
Valdeci Oliveira – deputado estadual e líder do governo na Assembleia Legislativa