Por VALDECI OLIVEIRA
A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa, escreveu o filósofo, sociólogo, historiador e economista alemão Karl Marx no século XIX.
Na última quarta-feira (18) presenciei essa máxima, quando o parlamento estadual, do qual muito me orgulho de integrar, aprovou o projeto enviado pelo governo Eduardo Leite que nada mais é do que um confisco salarial de trabalhadores e trabalhadoras inativos, um verdadeiro fazer caixa com os ganhos dos aposentados, a velha e conhecida tunga aos bolsos de quem já trabalhou e, coincidentemente, é o lado mais fraco da corda.
Afirmar que a crise do estado somente será resolvida dessa forma é de um cinismo lamentável. Se trata de colocar em prática uma receita formulada por uma elite que faz de tudo para dar as cartas, ditar as regras, se beneficiar com o poder e se sustentar nele. O PLC 503/2019, o famigerado projeto aprovado pelo governador e sua base nesta semana, na Assembleia Legislativa, é a repetição de um receituário que já deu errado – e por isso a frase inicial deste artigo – quando colocado em prática pelos governos Britto, Yeda e Sartori por aqui e como foi com FHC, Temer e agora Bolsonaro no país: entrega das nossas riquezas minerais e empresas públicas às multinacionais estrangeiras, retirada de direitos civis e sociais, redução do estado (e consequentemente o acesso a este pela população) e perseguições aos trabalhadores e trabalhadoras.
A partir de agora, as pessoas – sim, estamos falando de pessoas – que trabalham no e pelo estado vão se aposentar ganhando menos, as pensões a que suas famílias terão direito serão também serão menores, os que se tornaram inválidos e inválidas por terem sido vítimas de acidentes de trabalho irão receber metade da aposentadoria que atualmente têm direito e aqueles que trabalharam uma vida inteira e já deram a sua cota de contribuição para a sociedade serão obrigados – sem chance alguma de escolha – a pagar previdência.
Para se ter uma ideia do tamanho da covardia e da injustiça, pais e mães de família que ganham até um salário mínimo serão chamados a devolverem 7,5% de uma renda que já é baixa. Mas caso a aposentadoria seja um pouquinho melhor, na faixa até R$ 2 mil, a entrega será na casa de 9%. A “justiça” do Sr. governador irá tirar 12% de quem recebe até R$ 3 mil e 14% de quem chegar a R$ 5,8 mil. Todo esse contingente de seres humanos – que totalizam 140 mil aposentados e aposentadas e que era, até agora, isento de contribuição estão há cinco anos sem reposição sequer pela inflação e há quase 50 meses recebendo atrasado ou parcelado.
Se estivéssemos num estado em que a lei é seguida e respeitada, o projeto sequer teria ido a votação. Notadamente inconstitucional – na terça-feira (18), o desembargador Rui Portanova, do Tribunal de Justiça do RS, concedeu liminar sustando a votação da matéria – o PLC 503/19 só voltou à pauta do Parlamento gaúcho por decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que aceitou os argumentos apresentados pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE). O problema, o que é muito sério nesse caso, é que Toffoli foi induzido ao erro, uma vez que a PGE informou em seu pedido que o projeto havia recebido parecer favorável na Comissão de Constituição de Justiça (CCJ), o que absolutamente não era verdade.
Na prática, o governo se utilizou de mentiras que iludiram o Supremo para que obtivesse uma decisão favorável a si. Ao contrário do alardeado para a sociedade, não se estava apenas discutindo – até porque discussão não houve – as alíquotas de contribuição de quem já era aposentado, mas, sim, uma verdadeira reforma da previdência dos servidores estaduais e, pior, em regime de urgência.
Um verdadeiro absurdo em se tratando de um assunto tão abrangente e que mexe com a vida de tantos, pois inclui alteração da idade para aposentadoria, tempo de contribuição, cálculos para quem irá se aposentar daqui para frente e regras para pensões. É mais um notório exemplo de uma visão absurda de gestão que trata as coisas apenas como números, sem enxergar que, por de trás deles, existem famílias e pessoas que trabalham e produzem para gerar crescimento ao nosso estado.
Importante salientar que o atual governo chega ao final do seu primeiro ano de mandato melancolicamente, afinal não apresentou um projeto sequer para o desenvolvimento do Rio Grande. Na campanha eleitoral, Leite ergueu a voz para dizer que estava comprometido com a “valorização da educação” e que, no Rio Grande, os problemas se resolveriam alterando o “fluxo de caixa” e com o governador “tirando a bunda da cadeira”. Bradou também que o parcelamento salarial do funcionalismo seria resolvido em 12 meses. Mas o que se vê da gestão é o oposto do prometido: Leite praticamente só levanta da cadeira do Piratini para ir ao exterior, os salários seguem sendo pagos com atraso, e atraso ainda maior do que na época do Sartori, e a valorização da educação se desenvolve a partir de um método bastante controverso, que é o de atacar e acabar com as poucas conquistas amealhadas pelos professores gaúchos ao longo de décadas. Não é por acaso que a senhora Clarissa Meroni de Souza – educadora que, há 23 anos, em Pelotas, deu aulas de Teatro para o hoje governador – afirmou recentemente nas redes sociais: “eu tenho vergonha de ter sido professora do Eduardo Leite”.
Sobre a frase que abriu este artigo, lembro uma do escritor e cronista gaúcho Luiz Fernando Veríssimo e que explica muita bem o nosso atual momento. Para ele, “o Brasil alterou a famosa frase do Marx. Aqui, a história não se repete como farsa, as farsas se repetem como história.”
(Publicado originalmente no site https://claudemirpereira.com.br/ )