Infelizmente, por conta dos desafios e condicionantes que muitas vezes a vida nos impõe, eu não tive o privilégio de ter estudado na Universidade Federal de Santa Maria. Pelo fato de morar na zona rural – durante a infância e a juventude – e de ter o compromisso de ajudar os pais na lavoura, eu tive de atrasar significativamente a minha formação escolar, o que, nos idos dos anos 60/70, era comum para quem não vivia na cidade. Tinha 35 anos e já era deputado federal, quando concluí o ensino fundamental. Quando era prefeito de Santa Maria, consegui passar no vestibular e cursar alguns semestres do curso de História na Universidade Franciscana (UFN). Devido à intensa agenda da vida pública, acabei não conseguindo concluir a formação universitária, a qual é uma meta que ainda não desisti de alcançar.
Essa aparente distância física existente entre a minha trajetória educacional e a UFSM, porém, nunca impediu que eu reconhecesse e defendesse o importante e fundamental papel que essa instituição desempenha não só em nossa cidade, mas em toda comunidade da Região Central do estado. Nunca é demais salientar pelo menos alguns dos muitos predicados que conferem tamanha importância à UFSM: desempenho acadêmico reconhecido nacionalmente, mais de mil projetos de extensão desenvolvidos junto à comunidade local e regional, apoio permanente à evolução da pesquisa científica, realização de ações com jovens em situações de vulnerabilidade, colaboração na manutenção da Orquestra Sinfônica, implementação do Observatório de Direitos Humanos, o Planetário Público, a incubadora tecnológica, o Festival de Inverno e por aí afora.
Além da produção científica e ensino superior de qualidade – e gratuito -, que em última instância é o responsável por abrir as portas para a ascensão social e econômica dos filhos e filhas da classe trabalhadora, números do ano passado contabilizam a relevância da UFSM para a sobrevivência da área da saúde em toda região. Afirmo isso com segurança, pois o Hospital Universitário (HUSM), mantido pela UFSM, realizou 270 mil consultas, 15,5 mil internações, 8 mil cirurgias e 2,5 mil partos em 2018. Dá para imaginar como ficaria a cidade de Santa Maria e os municípios do entorno se não dispusesse desse equipamento público de saúde em operação 24 horas por dia?
Na verdade, em situações tidas como normais, dentro de um ambiente cujas conquistas civilizatórias são respeitadas de forma democrática e as diferenças de opiniões são debatidas no campo das ideias, essa defesa e reconhecimento sequer precisariam ser feitos, pois já estariam enraizados, seria algo intrínseco a nossa realidade.
No entanto, como a realidade e o momento são distintos, belicosos e caracterizados pelo conservadorismo e até mesmo por ataques duríssimos a conquistas reconhecidas e aparentemente amadurecidas na sociedade, como é o caso das universidades, não há como calar diante da promoção em série de retrocessos. Eu e todos aqueles que militam no campo popular e social não podemos cruzar os braços diante das medidas anunciadas pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que, por orientação do presidente Bolsonaro, cortou mais de R$ 2 bilhões no orçamento da educação superior pública brasileira, atingindo não somente as 68 universidades, mas também os 40 institutos federais mantidos pela União em todo o Brasil. Se incluirmos neste cenário o somatório do que está sendo tirado desde a educação infantil até a pós-graduação, a “tesourada” do MEC chega a R$ 7,3 bilhões. Ou seja, engana-se quem acha que o dinheiro retirado das ditas “balbúrdias” do ensino superior será realocado em outras áreas da educação. Não. O corte é profundo, é linear, é generalizado.
No caso da nossa UFSM, foram bloqueados R$ 46 milhões, tornando o orçamento desse ano o menor desde 2010. O contingenciamento diz respeito a todo recurso de capital, que engloba investimentos em obras e aquisição de equipamentos. Além disso, foram reduzidos na ordem de 30% os recursos fundamentais para o custeio da Universidade, que respondem para a cobertura dos gastos em energia elétrica, água, serviços de limpeza, vigilância e manutenção, entre outros pontos fundamentais para o funcionamento da instituição.
Se a insensatez for mantida e a retirada de recursos concretizada, a UFSM não conseguirá honrar seus compromissos a partir do mês de setembro, o que seria caótico não só para quem é professor, funcionário, estudante ou pai de estudante. A desestruturação da UFSM imediatamente significa, além da contenda educacional, a precarização econômica e social de Santa Maria e do entorno. Basta lembrar que orçamento da universidade é bem superior ao da Prefeitura. E basta recordar que o salário dos trabalhadores da instituição é gasto e é aplicado, majoritariamente, aqui, e não acolá. Portanto, demonstrar regozijo com os cortes efetuados por Bolsonaro e seu ministro significa aplaudir a derrocada da própria cidade, ou mais diretamente falando, da própria casa. A quem interessa o apequenamento do comércio local? A quem interessa a redução de oportunidades para as empresas locais? A quem interessa mais desemprego e mais subemprego na Santa Maria da Boca do Monte?
Do ponto de vista acadêmico e da inclusão, esse infame corte de verbas vai asfixiar as atividades desenvolvidas pela educação pública federal, abalar a pesquisa científica desenvolvida e, notadamente, vai impedir o acesso dos mais pobres ao ensino superior. Mais que isso, a medida, indubitavelmente, representa mais um passo em direção à nítida tentativa de privatização do nosso ensino.
Não me parece uma simples coincidência o fato de o ministro da Economia, Paulo Guedes, ser conhecido também por sua forte atuação com investimentos no setor educacional privado e a distância. Assim como não parece ser só coincidência o fato da sua irmã, Elisabeth Guedes, presidir a Associação Nacional das Universidades Particulares (Anup).
Além disso, o ministro Weintraub, é um economista com quase nenhuma ligação ou experiência com a área da educação, a não ser pelo fato de ter sentado nos bancos escolares da USP. Ou seja, aquele que hoje tira bilhões do ensino público é um filho da alta classe média paulistana que estudou de graça numa das quatro universidades públicas mantidas pelo governo do estado de São Paulo.
Não bastasse isso tudo, o conjunto da obra se mostra ainda mais covarde. Weintraub também está usando o corte para chantagear a sociedade. Segundo ele, a medida poderá ser revista caso a reforma da previdência seja aprovada. Ou seja, a população, principalmente aquela que mais depende do poder público, precisará “escolher” onde quer perder. Pois, ele está muito enganado. Tenho certeza que a sociedade brasileira não aceitará chantagem, não aceitará o desmantelamento da educação pública nacional. Vamos unir forças para lutar ombro a ombro com todos aqueles que desejam cerrar fileiras em defesa desse setor fundamental que é a educação pública.
Eu, Valdeci Oliveira – e tenho certeza que a minha fala representa muitos outros avôs e avós – quero que a geração da minha neta, a Maria Luísa, que hoje tem quatro anos, tenha o direito de poder ter a chance de, no futuro, estudar na Federal de Santa Maria. Sou UFSM.