O plenário da Câmara de Vereadores de Cruz Alta abriu, na noite de quarta-feira (16/4), o calendário de audiências públicas que serão realizadas em todas as regiões do estado para discutir o pagamento do piso salarial da enfermagem gaúcha e as condições de trabalho dos profissionais da saúde em geral. Organizada pela Comissão Especial da Assembleia Legislativa criada exclusivamente para este fim, e coordenada pelo deputado Valdeci Oliveira, proponente do colegiado, o encontro reuniu lideranças sindicais da categoria, organizações sociais, trabalhadoras e trabalhadores do segmento, além de vereadores e representantes de deputados estaduais e federais. Apesar dos convites encaminhados pela Comissão, município, governo do estado e a Federação dos hospitais privados não se fizeram presentes. “Esse é um debate que, ao lado da categoria, fazemos há bastante tempo, desde 2012, incluindo a criação da Frente Parlamentar em Defesa da Jornada de 30 horas”, lembrou Valdeci, destacando que discussão será levada, durante os próximos quatros meses (prazo regimental de duração dos trabalhos da Comissão), a mais 12 municípios, em todas regiões, além da realização de visitas técnicas a unidades públicas, privadas e filantrópicas. “Precisamos estar absolutamente determinados e unificados para que a enfermagem gaúcha tenha o devido reconhecimento e que seja rigorosamente cumprido aquilo que a lei estabelece, que é o piso salarial, e a melhoria das condições de trabalho, seja em hospital privado, público ou filantrópico. Os dados mostram que o adoecimento nessa área, e por uma série de razões, é muito alto e a gente não pode deixar de cuidar de quem cuida da gente. Esse é o trabalho central dessa Comissão e dessas audiências, que começa aqui em Cruz Alta e que até meados de agosto terá um trabalho longo pelo estado afora”, explicou Valdeci. Ainda segundo o parlamentar, ao final dos 120 dias, um relatório irá compilar todos os dados e informações colhidas nas audiências e nas inspeções para a formulação de encaminhamentos à União, ao governo do estado, aos municípios e Ministério Público, entre outros órgãos e instituições.
De modo virtual, representando o ministro Alexandre Padilha, o secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Felipe Proenço, enviou um vídeo, apresentado na abertura dos trabalhos, em que destacou a importância de se discutir os dois temas daquela audiência – piso e condições de trabalho – num momento de reestruturação e reconstrução do SUS. “Não se tem redução de tempo de espera (na fila) nem melhoria de cobertura vacinal se não tiver a valorização dos trabalhadores do SUS. Essas iniciativas só são possíveis realizando esse importante debate sobre a gestão do trabalho. Essa sequência de audiências vai ser fundamental tanto para ouvir sobre as condições laborais como para entender de que forma o piso salarial está sendo implantado”, acrescentou, lembrando que o governo federal, a partir de decisões do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal, buscou viabilizar o pagamento junto a estados e municípios. “Precisamos entender de que forma isso está chegando nos serviços e, principalmente, de que forma isso está sendo viabilizado aos trabalhadores e trabalhadoras”, sentenciou, destacando se tratar de um ação conjunta, uma vez que gestão do SUS se dá de forma tripartite, que depende muito da relação entre o governo federal e executivos estaduais municipais.
“Quando houve a aprovação do piso, nós esperávamos que a implantação fosse imediata e integral e não foi isso que aconteceu. O Ministério repassa os valores, mas lá na ponta, para o trabalhador, ele não vem como piso no contracheque, vem como complemento. E como o reajuste foi vetado, a inflação vai corroendo”, criticou Lino José Puhl, secretário-geral da Federação dos Empregados em Estabelecimentos e Serviços de Saúde do Rio Grande do Sul (Feessers). Para Márcio Teixeira Barbosa, presidente do Sindicato da Saúde de Cruz Alta, além dos valores aprovados pela lei terem sido significativamente menores do que inicialmente se tinha como expectativa – uma forma de avançar e conseguir aprovar a matéria – e estarem com três anos de defasagem, a sua implementação pela prefeitura e instituições privadas tem sido outra fonte de diferentes perdas na remuneração, mesmo com o Ministério da Saúde cumprindo os repasses. Enquanto no hospital público não há incorporação no salário, ou seja, não reflete sobre adicional noturno, triênios e aposentadoria, etc., na instituição privada, as incorporações fazem com que quem trabalha à noite receba os mesmos valores pagos no turno do dia. Já no caso da UPA, que é municipal, mas tem a gestão é privada, diz Barbosa, “a empresa se apropria de boa parte do dinheiro dos trabalhadores, pois desconta do complemento o FGTS, a cota patronal do INSS e o imposto de renda. O trabalhador fica com 40%. A implementação do piso ainda não trouxe aquilo que a gente esperava quando ele foi aprovado”, criticou o dirigente, salientando que a Justiça foi acionada nos três casos.
“Vivenciei o covid-19 direto, na linha de frente. A gente não precisa mais de reconhecimento, de aplausos. A gente só quer trabalhar. A gente precisa dos nossos direitos constitucionais e de trabalho respeitados. O complemento (que recebemos) não é sobre o nosso (salário) base e isso reflete muito (negativamente). Por que temos dois empregos? Por causa disso”, explicou o diretor do Sindicato dos Enfermeiros de Santa Maria, João Gilberto Santos, que atua há 14 anos em urgência-emergência. “Temos direito ao reconhecimento e respeito da sociedade. Condições de trabalho adequadas garantem atendimento de qualidade para a população, especialmente aos usuários do SUS. Até pouco tempo atrás não tínhamos um piso salarial definido por lei. Essa foi uma conquista fruto de muita luta, uma reparação histórica, mas está longe de ser uma realidade vivenciada pela nossa categoria”, argumentou Nilza Lourenço da Silva, integrante da Comissão Nacional de Auxiliares e Técnicos de Enfermagem e representante do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen).
Já a técnica de enfermagem e diretora do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Cruz Alta, Meri Kruase, o dia a dia inclui o enfrentamento de sobrecargas de trabalho e desgaste emocional. “Trabalhamos com vidas, cuidamos de vidas e precisamos também cuidar da nossa saúde. Precisamos de locais adequados de trabalho e descanso que hoje não temos. Você faz aqueles 15 minutinhos (de intervalo), meio que escondido atrás da porta, mas, na verdade, você está trabalhando, pois se alguém chamar não se pode dizer que não vai. É um intervalo que não é intervalo, não temos um lugar adequado para ficar. Quem conhece a área da saúde sabe o valor que temos nas 24 horas do dia para cada vida que está ali dependendo da gente”, resumiu.
O piso salarial da enfermagem – de R$ 4.750 pra enfermeiros, sendo 70% desse valor para técnicos e 50% para auxiliares e parteiras – foi aprovado no Congresso Nacional em 2022 e sancionado no mesmo ano. Na época, o então presidente Jair Bolsonaro vetou o ponto que estabelecia o reajuste anual e não criou o fundo necessário para garantir sua efetivação. No ano seguinte, o presidente Lula sancionou o projeto de lei que abriu crédito especial de R$ 7,3 bilhões no orçamento do Fundo Nacional de Saúde para garantir a estados e municípios o pagamento dos valores. De qualquer forma, alguns gestores públicos e unidades privadas têm interpretado de forma equivocada o tema, criando inúmeras dificuldades para que as categorias da enfermagem recebam os proventos na integralidade.
Além de Cruz Alta, também deverão sediar audiências públicas as cidades de Bagé, Caxias do Sul, Cachoeira do Sul, Erechim, Passo Fundo, Pelotas, Porto Alegre, São Borja, São Gabriel, Santa Rosa, Santa Maria e Tramandaí. Essa escolha inicial não impede, porém, que outras localidades venham a ser contempladas nos debates ou visitas técnicas
Na primeira semana de maio, ao lado de representações sindicais e políticas gaúchas, Valdeci estará em Brasília para tratar do piso da enfermagem. Junto ao relator da PEC 19/2024, senador Fabiano Contarato (PT-ES), ele vai tratar, em nome da Comissão, do projeto de emenda à constituição apresentado pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que busca vincular o piso a carga horária de 30 horas semanais e prevê reajuste anual do valor. “Certamente aproveitaremos o momento para levarmos também essas questões que a enfermagem gaúcha vem enfrentando no RS em relação ao cumprimento do pagamento do piso nacional na audiência que teremos no Ministério da Saúde”, adiantou Valdeci no encerramento do encontro.
A audiência contou também com a participação dos vereadores Diogo Silveira Martins e Adir Pretto (Cruz Alta) e Claudio Motta (Panambi); Alvair Dilly, do SindiSaúde de Santa Rosa e região; José Morais, do SindiSaúde de Ijuí; além de representações de mandatos parlamentares, como da deputada Patrícia Alba (relatora da Comissão Especial), do deputado Jeferson Fernandes, do deputado federal Paulo Pimenta, além de profissionais de saúde de Cruz Alta e Panambi.