Discutir a desativação de leitos de UTI para tratamento dos pacientes de Covid-19 foi o principal objetivo da audiência pública realizada nesta quarta-feira (9) pela Comissão de Saúde e de Meio Ambiente (CSMA) da Assembleia Legislativa.
O debate, proposto pelo deputado Valdeci Oliveira, evidenciou que, passados mais de 9 meses desde o início da pandemia no país, muitos problemas seguem sem resolução. “A ampliação de leitos de UTI para demandas do coronavírus, que representou 100% da rede instalada no final de setembro, estava em 87% na semana passada. Esse fechamento de leitos de UTI, em plena pandemia, contribuiu fortemente para a ocupação total de vagas em muitas regiões do estado “, pontuou Valdeci.
Leitos abaixo da necessidade e do recomendado pela OMS
O parlamentar se baseia em dados que mostram que, antes da pandemia, o Rio Grande do Sul contava com 998 leitos de UTI SUS e 645 leitos de UTI derivados da saúde suplementar, para uma população com mais de 11 milhões de habitantes. A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS), feita antes da crise sanitária, já era de que os países tenham de um a três leitos disponíveis em unidades de terapia intensiva para cada 10 mil habitantes. “Há estudos que indicam que a quantidade de leitos para esse momento de pandemia deveria ser três a dez vezes maior. Aqui no estado, em março, tínhamos 1,4 leito de UTI para 10 MIL habitantes (leitos SUS e privados). Considerando apenas o Sistema público, não atingimos 1 leito de UTI para 10 mil pessoas, muito abaixo do mínimo recomendado pela OMS”, alertou o parlamentar.
Segundo ele, também é importante lembrar que a população segue com necessidades de cuidados à saúde (exames, cirurgias e outros procedimentos). “Manter os leitos abertos com a pandemia, mesmo após a passagem da crise, é uma obrigação”, avaliou.
Segundo a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, como havia tendência para baixo nos casos de internação, o Ministério da Saúde acabou por cessar o envio de repasses para a manutenção desses leitos. Mas, segundo ela, diante do “momento preocupante e alarmante”, a partir desta quinta-feira (10), 118 novas unidades estarão sendo ativadas no RS.
Outra questão apontada por diversos participantes da audiência foi a opção do governo gaúcho de administrar o avanço da doença com um modelo de distanciamento social controlado. “Essa estratégia precisa ser refeita. Uma campanha de testagem da população é fundamental”, defendeu Itamar Santos, vice-presidente do Conselho Estadual de Saúde. O mesmo raciocínio foi feito por Armando De Negri Filho, coordenador da Rede Brasileira de Cooperação em Emergências (RBCE). “Nós temos aqui 654 óbitos por milhão de habitantes. O Uruguai, aqui do lado, tem 25”, destacou.
Para Débora Melecchi, integrante do Conselho Nacional de Saúde (CNS), o atual quadro é resultado direto da flexibilização das medidas de distanciamento social, da retomada total das atividades econômicas e da falsa sensação de melhora do quadro pandêmico. Para ela, que destacou ainda haver registros de mais de 19 mil profissionais de saúde infectados pelo vírus no estado, o negacionismo do governo federal agravou ainda mais o cenário. “ O Ministério da Saúde gasta R$ 88 milhões em propaganda destacando o agronegócio e o uso incorreto do medicamento cloroquina e deixou, até o momento, de utilizar R$3,4 bilhões de crédito suplementar para o combate da doença. Temos de evitar qualquer desmobilização em relação ao leitos de UTIs, destacar a responsabilidade dos municípios, estados e a União e valorizar os trabalhadores da da saúde e controle social”, enumerou.
Regulação e fluxo
Segundo Beatriz Schaan, coordenadora do GT para a preparação do enfrentamento ao Coronavírus do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, também é preciso melhorar a distribuição dos pacientes com Covid na rede hospitalar. “A regulação estadual não está alinhada com a municipal. É preciso colocar o paciente (de acordo com o quadro clínico apresentado) no lugar certo”, ressaltou.
O alerta foi corroborado por Sueli Guerra, Gerente de Atenção à Saúde do Hospital Universitário (HUSM), de Santa Maria. Para ela, precisa haver critérios para utilização das UTIs e das emergências. “Com a abertura de todas as atividades econômicas, aumentou muito os casos de acidentes e traumas”.
Ao final do encontro, algumas diretrizes foram tiradas pelos debatedores, entre elas criar um Grupo de Trabalho na CSMA, tendo a participação de organismos da sociedade civil, para reverter a falta de leitos (e não somente de UTI) no estado, trabalhar e articular pelo fortalecimento da Atenção Primária e da Vigilância em Saúde, reforçar a luta pela revogação da Emenda Constitucional 95 e pela recomposição imediata do Orçamento da Saúde, ampliar a Campanha ‘Vacina para Todos’ e convidar representantes da regulação estadual e municipal de Porto Alegre para participarem da próxima reunião ordinária da Comissão a fim do esclarecimento dos fluxos.