São tantos os aspectos negativos da reforma da previdência para o povo que alguns pontos acabam recebendo menos atenção de que merecem. Um desses é a situação dos jovens, talvez um dos segmentos mais prejudicados – ao lado das mulheres e idosos – por essa que é mais uma promessa vendida à sociedade como necessária para tirar o país da crise econômica. Não nos esqueçamos, porém, que a mesma promessa de retomada do crescimento econômico e geração em massa de empregos foi feita para garantir a aprovação da lei das terceirizações e a reforma trabalhista.
Mas hoje o que temos, após a efetivação dessas medidas, são quase 13 milhões de desempregados e outros milhares de brasileiros e brasileiras sobrevivendo na informalidade e no subemprego ou atuando com salários baixíssimos. Essas duas iniciativas governamentais, de forma concreta, assim como a reforma da previdência, beneficiam apenas um lado do balcão e não é aquele onde está a classe trabalhadora e a maioria da população brasileira.
Neste sentido, é que precisamos debater muito com a sociedade para mostrar que, se há déficit na Previdência, ele não é causado pelos pobres, pelos pequenos agricultores, pelos idosos e deficientes em vulnerabilidade social que ganham uma ajuda para sobreviver ou pela imensa maioria que recebe cerca de R$ 998,00 (de cada três aposentados, dois ganham um salário mínimo).
A reforma da previdência como está apresentada, além de retirar direitos legítimos do povo, considerados verdadeiras conquistas civilizatórias do estado de bem estar social, jogará parcelas significativas da população para situações próximas à indigência, ao abandono. No caso da juventude, ainda mais aquela que ingressará no mercado de trabalho após a reforma, a situação poderá ser ainda crítica, pois, na prática, praticamente nunca conseguirão cumprir as regras impostas para se aposentar.
Pela proposta do governo, serão necessários 40 anos de contribuição, o que significa que durante quatro décadas a pessoa não poderá ficar um ano sequer desempregada. E todos nós sabemos como funciona o instável mercado de trabalho na vida real, onde muitas vezes, por necessidade ou imposição de alguns patrões, homens e mulheres aceitam trabalhar sem carteira assinada e sem pagar o INSS. Além disso, os jovens pobres começam a trabalhar muito cedo para ajudar os pais nas despesas domésticas, por volta dos 15 anos de idade. Neste caso, mesmo contribuindo religiosamente com o INSS, a regra dos 40 anos de contribuição não servirá a eles, pois não poderão requisitar a aposentadoria antes dos 65 anos, no caso dos homens, e 62 anos, no caso das mulheres, ou seja, terão de trabalhar mais dez anos. Alguém consegue imaginar um estivador, mineiro ou agricultora com condições de saúde necessárias para laborar até os 65 anos?
Mas para os jovens há outro obstáculo a ser transposto: se for aprovada a regra de capitalização, onde o trabalhador será o único responsável por sua contribuição e não terá garantia alguma de que na velhice terá conseguido poupar o suficiente para uma vida digna, as empresas darão preferência a quem optar por esse tipo de poupança, que isenta o patrão e o governo de qualquer custo neste sentido. A título de exemplo, no Chile, onde essa proposta foi colocada em prática pela primeira vez no início da década de 1980, sob a ditadura de Augusto Pinochet, a medida, elogiada pela Fundo Monetário Internacional (FMI), produziu, 30 anos depois, quando as ditas primeiras aposentadorias começaram a ser pagas, rendimentos entre 35% e 50% menores do que o salário mínimo daquele país. Um resultado muito diferente do esperado (ou prometido) aos trabalhadores. Não por coincidência, essa política implementada no país vizinho contou com a participação e a colaboração de um jovem economista brasileiro oriundo da escola de Chicago. Seu nome: Paulo Guedes, atual ministro da Economia do Brasil. Também, não por coincidência, entre as empresas privadas que dominam o mercado de capitalização/aposentadoria no Chile está o BTG Pactual, ex-Banco Pactual, fundado por Guedes. Como resultado dessa política, o Chile enfrenta hoje a pauperização da população da terceira idade e enfrenta uma onda de suicídios entre os idosos.
Fora isso, mesmo os jovens não considerados pobres, que esperam se formar na faculdade e fazer um mestrado ou doutorado antes de enfrentar o mercado de trabalho, também terão dificuldade de pleitear no futuro sua aposentadoria. Neste caso, após anos de estudo e qualificação, chegarão ao mercado por volta dos 27/30 anos. Com a exigência de 40 anos de contribuição, somente após os 70 anos é que terão direito ao acesso à aposentadoria integral, que na melhor das hipóteses poderá ser usufruída por 10 anos (hoje a expectativa de vida do brasileiro é de 76 anos).
O problema do Brasil não é a Previdência que, por mais que precise de reformas, está longe de ser a responsável pelas nossas injustiças e desigualdades. Nosso problema, de fato, é figurar na relação de países com péssima capacidade de distribuição de renda. Aqui, os impostos são cobrados igualmente sobre o consumo de ricos e pobres e não sobre as altas rendas. Somos um país que não taxa as grandes fortunas da nossa elite econômica, que, em quase sua totalidade, surge dos lucros e dividendos das suas empresas, os quais são isentos de imposto de renda.
A título de exemplo, ainda somos um país que não cobra IPVA de proprietários de jatinhos particulares e de iates de luxo e acha que o rombo das contas públicas é porque paga salário mínimo para idosos em situação de vulnerabilidade social. Somos um país em que nossa elite dirigente cobra a conta do povo enquanto o sistema financeiro – bancos e fundos de investimento – fica com praticamente metade de todo orçamento federal (mais de 1 trilhão de reais em 2018) a título de juros e amortizações da dívida pública.
Mesmo assim querem, novamente, jogar sobre os ombros do povo – mantendo privilégios via reforma da previdência – a conta da nossa desigualdade social.