Por Valdeci Oliveira –
A população gaúcha foi colocada no centro da disputa política cujo alvo maior são as eleições de 2022. Não haveria problema nisso se um dos principais ingredientes desse embate não atendesse pelo nome de ‘vacina”, não envolvesse a segurança sanitária da população e com isso a diferença entre estar imunizado em meio a uma pandemia ou correndo o risco de contaminação pelo vírus e suas nefastas sequelas.
E neste cenário com gosto de `déjà vú`, causou perplexidade junto às organizações da sociedade civil, do meio acadêmico, da pesquisa e dos trabalhadores vinculados à saúde no estado a declaração dada pelo governador Eduardo Leite de que confia plenamente nas ações do Ministério da Saúde para garantir a imunização dos mais de 11 milhões de gaúchos e gaúchas contra a covid-19. A determinação do chefe do executivo gaúcho foi explicitada a veículos de imprensa do centro do país logo após a reunião entre os governadores e o general que está à frente da pasta e que já declarou que as decisões que embasam as ações do Ministério estão calcadas no conceito do “um manda e outro obedece”. No caso, ele é o segundo.
O encontro entre o ministro Pazuello e os governadores aconteceu na última terça-feira (8) e ficou marcado pelo embate entre o militar e o chefe do executivo paulista João Dória, que busca se firmar nacionalmente como um nome do PSDB à sucessão do negacionista Jair Bolsonaro. Não podemos nos esquecer – para ficar num único exemplo – que o general-ministro, apresentado como especialista em logística, tem como mostra dessa expertise em seu currículo a descoberta, pela imprensa, de 7 milhões de testes para covid armazenados em um depósito e próximos de perderem a validade.
Na reunião, da qual participou o governador gaúcho, Pazuello, ao ser questionado, afirmou que o governo federal, comprometido em adquirir o imunizante da AstraZeneca em parceria com a universidade inglesa de Oxford, até poderá comprar a vacina chinesa Coronavac, em estágio mais avançado e cujo laboratório Sinovac firmou parceria com o governo de São Paulo através do Instituto Butantan, mas se houver “demanda e preço”. Essa frase ficará para a História.
Sinceramente, esperava mais do governador Leite. Esperava dele o cumprimento da obrigação primeira de qualquer governante, que é o de zelar pela segurança de seus governados. Esperava dele a posição firme e altiva de colocar os interesses do povo gaúcho acima das querelas regionais e internas do seu partido, esperava que não deixasse dúvidas de que a saúde dos milhões de homens, mulheres, idosos, jovens e crianças, que politicamente ele representa, está à frente de qualquer disputa. Mas ao fim e ao cabo a posição do governador não enseja surpresas, pois no xadrez da disputa eleitoral que se avizinha o governador gaúcho é um dos jogadores. Nos bastidores da política, o nome de Leite é colocado como opção de parte do tucanato nacional às investidas de João Dória rumo ao Planalto.
Ao dar apoio quase canino ao general expert em logística, utilizando para isso a frase “eu apoio, defendo e acredito”, Leite deixou claro que, por não ter efetivamente um plano B (intenção de comprar do Butantan é isso, intenção), os 11,5 milhões de gaúchos e gaúchas estão, a partir de agora, dependentes dos humores do presidente da República, que desde o início da pandemia deu inúmeras mostras de que nega a ciência, alimenta teorias conspiratórias e faz pouco caso das quase 200 mil vidas brasileiras ceifadas pelo vírus. Além do negacionismo, Bolsonaro também inclui no cálculo político da escolha da vacina a pavimentação da sua reeleição e a desidratação de seu mais escancarado oponente. E o governador gaúcho, voluntariamente, lhe dá guarida. Mas o faz de forma calculada, pois isso também lhe interessa.
Mas como disse nosso saudoso maestro Antônio Carlos Jobim, o Tom Jobim, o Brasil não é para amadores. Ao mesmo tempo que diz acreditar fervorosamente nas ações do Ministério da Saúde, Leite toma o cuidado de externar que não irá basear a política pública gaúcha apenas na confiança. E acrescenta que não faz sentido algum abrir uma disputa entre os entes federados ou que cada um busque uma política própria para a vacinação das suas populações. Se trata uma espécie de salvo conduto, de não colocar os ovos todos na mesma cesta e um recado para Bolsonaro e Dória, respectivamente.
Definitivamente merecíamos algo melhor. Se tivéssemos governos responsáveis, já poderíamos ter – mesmo não sendo o ideal – milhões de doses a caminho do imunizante da Pfizer, aprovado pelas agências reguladoras dos EUA e Reino Unido, conforme previsto no decreto do próprio governo federal. É preciso que a ou as vacinas cheguem o quanto antes à população, de forma segura e gratuita, sem distinção.
Vacina a todas e todos, já! Disputas políticas, depois. O Brasil não pode ser o “lanterna” no processo de viabilização da vacina, e o RS não pode, simplesmente, ficar dependente da logística moribunda e negacionista de Pazuello e Bolsonaro.