Por Valdeci Oliveira –
Fruto de uma série de equívocos e escolhas políticas que julgo equivocadas por parte de quem deveria zelar pelos direitos legítimos da maioria da população gaúcha e brasileira, estamos, a cada dia que passa, diante de mais e maiores desafios que exigem de todos e todas uma pausa para reflexão dos rumos e ações que temos que tomar, de forma urgente, enquanto sociedade.
A realidade que tem nos sido imposta no último período, resultante de ações temerárias quanto conscientes, tem nos colocado frente a altas taxas de desemprego, a condições de trabalho precarizadas, a salários baixos, ao rompimento do chamado ‘tecido social’ – por conta de discursos de ódio – e ao adoecimento da população por conta das dificuldades de acesso à saúde pública.
Neste último ponto, fica ainda mais claro que o congelamento por duas décadas de todos os investimentos federais, a partir da aprovação em 2016 da emenda constitucional que estabeleceu o teto de gastos, é o grande responsável pelas carências sofridas, principalmente, pela população mais pobre.
Como se não bastassem todas essas agruras, temos outra que tem demonstrado ser uma das mais pesadas e irracionais entre as demais chagas sociais que teimam em nos chamar à razão: o feminicídio. A pauta, que considero alarmante, é o avanço dos números de assassinatos e casos de violência contra a mulher, que revelam ser preciso, de forma firme e urgente, fortalecermos a rede de proteção e a elaboração de políticas públicas que sejam capazes de construir um Estado acolhedor às mulheres.
Por se tratar de algo estrutural, um enraizamento que ainda cega uma parcela da sociedade, principalmente a masculina – que prefere fazer ouvidos moucos diante dos gritos por socorro -, nossa reação, aqui representada pelos poderes públicos e pela sociedade civil, deve alcançar patamar equivalente à urgência que o tema exige.
No Brasil contemporâneo, uma mulher é estuprada a cada 10 minutos, e um feminicídio acontece a cada sete horas. Apesar de não escolher classe social, o cruzamento de dados nos mostra que esse tipo de crime atinge prioritariamente as mulheres negras e da periferia. Num cenário nacional, somente em 2021, aproximadamente 2,3 mil crianças ficaram órfãs em razão da violência de gênero.
No Rio Grande do Sul, visto por muitos como um estado de alto IDH (índice de desenvolvimento humano), com cultura e educação acima da maioria das regiões brasileiras, a situação também traz consigo uma moldura grave.
Segundo levantamento do Movimento Levante Feminista, a partir da coleta de informações oficiais levantadas pelo Observatório da Violência contra a Mulher (SSP/RS), de 2020 até o presente momento, 202 mulheres foram vítimas fatais de feminicídio, enquanto 633 tiveram atentados contra a sua vida.
Importante destacar que tais registros não levam em conta os transfeminicídios, o que elevaria a um patamar ainda mais trágico os números divulgados pela Secretaria de Segurança Pública. E se não nos importarmos com isso, tudo não passará de meros números, mais uma estatística a ficar esquecida em alguma gaveta a espera de providências.
O que temos de ter claro é que nada é por acaso, mas, sim, consequência da dilaceração das políticas públicas voltadas às mulheres em todas as diferentes esferas. Aqui no estado, a extinção da Secretaria voltada à questão, assim como a desarticulação da Rede Lilás – que fora instituída para articular ações com vistas a oferecer segurança a mulheres e meninas, retirando-as dos ciclos de violência, com acesso à segurança, saúde, educação, assistência social e justiça – tiveram um impacto negativo significativo no acesso das mulheres em situação de violência às redes de proteção.
Mas a responsabilidade, no fim das contas, é de todos nós, queiramos ou não. E por isso mesmo, o Parlamento gaúcho não pode ‘lavar as mãos’ a um problema que há muito ultrapassou as fronteiras do urgente. Enfrentar a violência de gênero e combater a desigualdade são compromissos norteadores da nossa atividade política – como deputado e cidadão – e que reafirmamos quando assumimos como presidente da Assembleia Legislativa.
E para fazer jus ao lema “Menos Indiferença, Mais Igualdade”, principal marca que buscamos imprimir à nossa gestão, a Casa Legislativa estará apresentando, na próxima quarta-feira (8), um conjunto de ações em defesa da vida das mulheres e meninas e de políticas públicas voltadas a estas.
E se darão em parceria com os demais espaços institucionais da Assembleia, como a Procuradoria da Mulher, a Força-tarefa de Combate aos Feminicídios, o Movimento He for She, o Fórum Democrático e a Superintendência de Comunicação. De forma conjunta, serão realizados, entre outros pontos, audiências públicas, consultas à população e o estabelecimento de metas a serem cumpridas.
Mais do que um compromisso, trata-se de uma obrigação e uma resposta do Parlamento diante de algo tão inaceitável e repulsivo como é a violência de gênero.
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)
Foto: Paulo Pinto/Agência PT