Na próxima terça-feira as comemorações do Sete de Setembro, nosso Dia da Independência, prometem ser diferentes. Com exceção do ano passado, quando não se realizaram festividades por conta da pandemia, a população se acostumou a comemorar, com desfiles militares e de escolas, a desvinculação política do Brasil, em 1822, em relação à corte portuguesa.
Desde 1995, os movimentos sociais ligados à defesa do meio ambiente, aos pequenos agricultores, a setores religiosos, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), e a organizações de trabalhadores, incorporaram a data como de manifestação conjunta e pacífica de suas lutas.
Pois em 2021, a celebração dá lugar ao temor por conta de protestos em favor – e incentivado por este – do presidente da República, que tenta arrastar parte da população e das Forças Armadas ao lodaçal autoritário. Autoridades dos Poderes Judiciário e Legislativo buscam garantir a integridade de suas sedes, em Brasília, com reforço na segurança. Governadores agem para controlar o comportamento de suas polícias para que estas ajam dentro da lei.
Outros, de diferentes áreas da economia, por meio de notas públicas, buscam acalmar os ânimos e minimizar os sinais de ruptura da ordem institucional. A sociedade, por sua vez, dá sinais de que o Sete de Setembro é de todos os brasileiros e brasileiras e não somente de um grupo que advoga para si o título de patriota em defesa da liberdade.
Esses títulos, aliás, mostram que, neste Sete de Setembro, as palavras também estão impregnadas de sentido inverso ao original. A noção de patriotismo, que de início ilustrava parcela da sociedade que colocava os direitos dos seus respectivos países acima dos privilégios dos reis e das cortes, passou a ser visto como “o sentimento de orgulho e devoção à pátria, aos seus símbolos e ao seu povo, o amor dos que querem servir o seu país e ser solidários com os seus compatriotas.”
Assim, é preciso que alguém desenhe ao Sr. presidente que um brasileiro ou brasileira pode amar o nosso país e ao mesmo tempo crer que seu governo se desviou dos ideais democráticos, aqueles que justamente o levaram onde está. Essas pessoas acreditam que ser patriota é não se submeter às imposições econômicas de outro país em detrimento dos anseios e necessidades do próprio povo. Para eles, ser patriota é ser solidário e ter empatia com aqueles que vivem à margem das escolhas e dos direitos.
Ser patriota, entende essa parcela, é não entregar nossas empresas estatais, cujo produto é considerado, em qualquer nação digna desse nome, como estratégico e fundamental para o desenvolvimento econômico interno, para o controle privado, principalmente estrangeiro. E o mesmo vale para os sistemas públicos de saneamento, financeiro, educação ou saúde, que foram construídos ao longo de décadas com investimentos do Estado brasileiro.
Ser patriota é respeitar e cuidar do meio ambiente, é reconhecer os indígenas como povos originários e com direitos legítimos, é reconhecer o valor da educação e nela investir para que as pessoas cresçam individual e profissionalmente. Ser patriota é oferecer e acreditar na cidadania.
Esse tipo de brasileiro, que discorda do presidente e cresce em quantidade a cada pesquisa, não é menos patriota por isso, pois o faz para forçá-lo a retornar aos princípios democráticos que vivíamos desde a redemocratização e que nos devolveram valores como a liberdade.
Mas hoje o sentido que se busca dar ao termo também está sendo empregado de forma, digamos, torta. Liberdade não significa poder espalhar notícias enganosas ou falsas que levem a população a ter descrédito sobre o sistema eleitoral brasileiro. Isso não é liberdade. É falácia.
Liberdade não é insuflar a população contra os Poderes da República legitimamente instituídos porque deles se discorda, pregar a invasão às suas sedes e delas expulsar quem lá estiver. Isso é golpe.
Liberdade não é incentivar a sociedade a se armar e reagir a si própria, sugerindo fuzil como opção política. Isso é guerra civil. Liberdade não é poder disseminar informações sem comprovação científica sobre saúde pública, principalmente em tempos pandêmicos. Isso é crime.
Liberdade, assim como a Democracia, não é impor o desejo da maioria sobre as minorias. Isso é autoritarismo.
Liberdade é o povo poder escolher um emprego, a comida com que vai se alimentar, a faculdade que deseja cursar, ter onde morar, votar e ser votado. Liberdade é ter acesso a uma aposentadoria digna, 13º salário e Fundo de Garantia, que já nos foram básicos, mas que vêm sendo constantemente retirados com o argumento da geração de empregos.
Ao contrário do presidente, que dias atrás utilizou o provérbio do escritor romano Flávio Vegécio, dizendo que “se queres a paz te prepara para a guerra”, como justificativa às manifestações antidemocráticas em seu favor na próxima semana, eu acredito em outro caminho.
Se queres a paz, busque e trabalhe pela paz. E viva o Sete de Setembro, que é de todos os brasileiros e brasileiras.
Imagem: arte cartaz Grito dos Excluídos 2012
(Artigo originalmente publicado em www.claudemirpereira,com,br)