Por Valdeci Oliveira –
Aniversário é sempre uma data muito especial, mexe com a gente e com aqueles que nos são caros. O meu foi na última terça-feira, quando também era celebrado o Dia da Independência do Brasil. Pela conjuntura imposta, por óbvio não foi possível reunir num mesmo local – assim como no ano passado – amigos, parentes, familiares e companheiros – para juntos comemorarmos a data. A pandemia continua nos rondando e o vírus, mesmo não sendo convidado, por certo se faria presente.
Foi uma celebração virtual, por meio das redes sociais e aplicativos que possibilitaram a participação das pessoas remotamente. Mas nem por isso menos calorosa e, para mim especificamente, não menos emocionante. Talvez até mais, pois as barreiras impostas pelas necessárias medidas de segurança fizeram com que eu recebesse muitos vídeos enviados com congratulações e depoimentos fraternos, coisa que acontece em menor grau quando a comemoração se dá de forma presencial.
Senti falta mesmo foram dos abraços e dos beijos, do apertar de mãos, do olho no olho, das risadas e das brincadeiras que surgem quando recebemos nossos amigos e entes queridos pessoalmente. Mas faz parte. Ou nos adaptamos às situações impostas, e dessa adaptação tiramos o melhor que ela pode nos oferecer, ou corremos o risco de ficarmos apenas nos lamuriando, não enxergando que algo mais existe por detrás dos problemas, dos medos.
A minha primeira alegria nesse aniversário foi ver meu irmão, o Valdir, na função de mestre de cerimônias. Distante poucos metros de mim, ficou com ele a função de chamar os vídeos com depoimentos, organizar as falas que chegavam pela internet e dar forma e condução àquele processo “festivo” online, embalado pela cantoria do Beto Pires.
Me emocionou vê-lo ali, de pé, com a voz firme de trovador gaudério, tão feliz quanto eu. Sem avisá-lo, dividi com ele minha emoção, compartilhei aquele momento como se meu irmão fosse a estrela do dia, pois, se eu completava 64 anos de vida, ele comemorava pouco mais de dois meses que tinha renascido, vencido a covid-19 depois de 118 dias em uma cama de hospital, sendo boa parte deles entubado. Mas, agora, ali estava ele, fazendo as honras da casa, revigorado e repleto de vida. A verdade é que nós – os Oliveiras – tivemos a sorte que centenas de milhares de famílias, infelizmente, não tiveram nesta crise sanitária tão cruel.
Ao longo do “festejo virtual”, a cada manifestação que chegava gravada ou mesmo ao vivo, fui me dando conta de que, apesar de sermos nós os donos de nossas próprias memórias, estas, por vezes, nos iludem e acabam nos tirando o real tamanho de algumas situações vividas. A ciência explica isso. Em muitas ocasiões, o cérebro precisa preencher lacunas, tirar o excesso de informação a que somos submetidos, valorizar momentos que nos dão prazer ou minimizar situações traumáticas. E nesse emaranhado de reações químicas, alguns detalhes acabam sendo guardados em algum canto, fora do nosso alcance. Mas estão lá.
E durante as falas carinhosas das filhas, netas, esposa, pai, mãe, companheiros e companheiras que comigo construíram e continuam construindo a minha jornada, pequenas imagens se formavam diante dos meus olhos, sendo que, em algumas, pude sentir, mesmo que por uma fração de segundo, sensações com cheiro e até mesmo algum gosto daqueles momentos lembrados.
E foram vários: a luz do sol a pino na lavoura do distrito de São José da Porteirinha, em Dilermando de Aguiar; o nervosismo no primeiro dia como metalúrgico em Santa Maria; o lustro dos balcões, a cor do piso e o aroma das mercadorias que vendia na Casas Jaraguá; e a alegria em conseguir produzir, ainda no mimeógrafo, os materiais da minha primeira campanha a vereador. Pude relembrar das taquicardias que tomaram conta de mim nas vezes que soube que seria pai e depois avô. Também me veio à mente a sensação de “frio na barriga” quando fui eleito prefeito pela primeira vez.
Nesses 64 anos, aprendi que todos temos direitos e que muitos são inegociáveis, que a construção do indivíduo se faz a cada dia, aos poucos e sempre. Que não há nada mais importante que a vida, que o sorriso de um filho, o amor daquela ou daquele que escolhemos como companheiro ou companheira de jornada. Que a família, não importa o formato, é a base. Que somos frutos tanto da genética quanto do meio. Que devemos perseguir nossos sonhos assim como ser solidários e ajudar a construir os sonhos alheios. Que esse mundão de Deus é grande o suficiente para acolher a todos e todas.
Aprendi que a esperança, a fé e a democracia são mais que meros substantivos. Compreendi que, se queremos lutar contra a injustiça, precisamos ser atuantes, “aprendentes e ensinantes” (como sempre destaca a grande Irmã Lourdes Dill) e que, mesmo não podendo voltar no tempo, nunca é tarde para recomeçarmos.
Nesses 64 anos, aprendi que olhar nos olhos de quem está ao nosso lado, pegar na mão e caminhar coletivamente continua sendo a melhor receita para seguirmos em frente por essa estrada chamada vida.