Por Valdeci Oliveira
Assim como aprendemos a ler, fazer contas, sermos honestos, a respeitar os mais velhos ou a sermos solidários, também aprendemos, mesmo que de forma subliminar, a sentir ódio. As formas e razões são múltiplas. Difícil é estabelecer um parâmetro para esse sentimento, mas há a certeza que ele convive com a humanidade desde os primórdios. O que é certo é que esse ódio, aprendido por todos nós, mas que a maioria consegue controlar, de certa forma foi acordado ou evidenciado em nossa sociedade a partir do início da década passada. Foi como se algo ou alguém, de forma sorrateira, mas eficiente, tivesse aberto a caixa de Pandora, a caixa que, na mitologia Grega, guardava em seu interior todos os males e maldades do mundo.
O medo, a inveja, a ignorância, o ciúme e o preconceito formam a receita perfeita para dar forma ao ódio. Misturados em um caldeirão, esse agrupamento forma um tipo de insanidade cujo resultado é a violência. Não é preciso pensar muito para concluir que o ódio talvez faça parte do nosso DNA. O que nos diferencia é a forma como o tratamos, é o culto, é vê-lo como algo aceitável. Os crimes de ódio são caracterizados quando esses são praticados levando-se em conta um ou mais grupos sociais bem específicos, como mulheres, negros, pobres, homossexuais e praticantes de religiões afro-brasileiras, entre outros. Há pelo menos quatro anos, o Brasil figura no topo do ranking dos países que mais matam pessoas trans, travestis e homossexuais. Terreiros de umbanda têm sido queimados. Mulheres têm sido mortas pelo simples fato de serem do gênero feminino. No início do ano, na capital paulista, um morador de rua morreu em decorrência dos graves ferimentos, pois foi queimado enquanto dormia sob uma marquise. Dois meses atrás, um homem de 60 anos foi espancado até a morte em Balneário Camboriú, em Santa Catarina. O motivo? O agressor – mais jovem e mais forte – não concordou com as posições e opiniões políticas da vítima.
E não deve-se achar que o fantasma do ódio está longe. Aqui em Santa Maria, polo de educação e cultura, nos últimos 120 dias, quatro pessoas da comunidade LGBT foram assassinadas. São exemplos claros que nossa sociedade está passando por um perigoso processo de deterioração em suas relações de convívio. O ódio no Brasil não começou agora, nem foi inventado por aqueles que estão no poder e que já afirmaram publicamente que numa democracia a minoria se curva à maioria e que os oponentes devem ser eliminados. Por outro lado, quem odeia e externiza esse sentimento primário recebeu uma mensagem, uma sinalização. Foi dito a ele que não precisa ter vergonha de se assumir, que tem o direito de ser assim e que a defesa de supostos valores morais está acima de qualquer coisa. Desde então, hordas de seres humanos repugnantes têm se sentido livres para manifestar seus mais abjetos instintos. Sabemos, pois a psicologia explica, que na maioria das vezes basta uma fagulha para acionar certos mecanismos da psique humana e que muitos dos sentimentos adormecidos precisam de pouco para serem acordados. Um dos mecanismos é a prática permanentemente do discurso da existência de um ou vários inimigos comuns utilizado para alimentar a sanha insensata de parcelas da população.
E o fazem muito bem, principalmente, nos dias atuais, utilizando uma importante ferramenta de comunicação que são as redes sociais. Para o semiólogo italiano Umberto Eco, estudioso da comunicação e de suas novas formas, “as mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Não se trata de culpar o carteiro pelas más notícias que ele entrega, mas de avaliar esse novo componente quando juntado àquele conjunto citado no início deste artigo. Um bom exemplo, no sentido inverso, está sendo dado pelo Fórum de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher de Santa Maria, que elaborou um projeto de criação de uma campanha de prevenção a esse tipo de crime no município. Intitulado “Santa Maria 50 – 50”, tem inspiração na iniciativa Planeta 50 – 50 da ONU, considerando que é necessário superar desigualdades de direitos e oportunidades para debelar a violência contra as mulheres.
Segundo dados coletados e tabulados pela plataforma digital Evidências sobre Violências e Alternativas para Mulheres e Meninas (EVA), entre as cidades gaúchas com mais de 250 mil habitantes, Santa Maria apresentou a maior taxa notificada, cerca de 776.1 a cada 100 mil mulheres. Entre os estados brasileiros, o RS ficou em quarto lugar.
O anteparo ao ódio deve ser imposto diariamente por todos nós, sejamos simples cidadãos ou integrantes de organizações da sociedade civil. Pode ser em casa, na escola, na igreja ou no trabalho. Pode ser no convencimento alheio ou com o cumprimento da lei, não importa. O que não pode é ódio encontrar guarida, ser subestimado, ser relativizado. O ódio mata.