Por Valdeci Oliveira –
Na história das guerras, há uma passagem que demonstra muito bem as contradições e paradoxos a que os povos estão sujeitos a viver quando enxergam apenas um lado e não medem esforços, sejam eles quais forem, para colocar em prática seus objetivos. Falo do episódio do rei Pirro, já consagrado ao derrotar os romanos, quando, para isso, perdeu uma considerável parte do seu então poderoso exército, mas que novamente saíra vitorioso na batalha de Ásculo, também a um custo muito alto de vidas e de recursos do seu lado.
Conta-se que o monarca, ao agradecer pela coragem dos seus comandados, teria dito que mais uma vitória naqueles moldes acabaria de vez com seu poder e reinado, ambos já próximos à lona. O exemplo de Pirro volta e meia é utilizado para ilustrar ganhos que, na verdade, se configuram como prejuízos. E isso desde dois séculos antes de Cristo.
Guardadas as devidas proporções podemos dizer que as “vitórias” políticas do governo anterior e mais ainda do atual, até aqui, resultaram em profundas derrotas ao povo gaúcho. Nos últimos seis anos, perdemos considerável capacidade de articulação no setor público com as medidas de redução da atuação do estado, com o fechamento de importantes órgãos de pesquisa, com a ameaça constante e possível concretização da entrega de nossas empresas estratégicas a grandes grupos privados nacionais e estrangeiros e com a inexistência de políticas de valorização daqueles que fazem a máquina pública funcionar. E tudo isso, refletindo negativamente sobre o acesso da população a serviços básicos como saúde, educação, segurança e infraestrutura.
Um alento, porém, nos chegou com a desistência do governador Eduardo Leite de levar em frente a sua famigerada proposta de reforma tributária, que na prática levaria ao aumento dos preços das cestas básicas de alimentos e remédios, elevaria a carga de impostos sobre serviços, atingiria em cheio as micro e pequenas empesas e faria com que os menos abastados novamente pagassem por uma conta cuja responsabilidade nunca foi sua.
Importante destacar que a desistência não foi resultado de reflexões de cunho social ou de mudança de pensamento quanto ao funcionamento e deveres do poder público para com sua população. Ela ocorreu, porque houve uma grande mobilização da sociedade, dos trabalhadores, das bancadas de oposição na Assembleia e até de entidades ligadas a segmentos que sempre apoiaram a agenda do “estado mínimo”. A retirada dos projetos da reforma tributária do Parlamento gaúcho se configura em uma retumbante derrota para Eduardo Leite e os partidos que lhe dão sustentação cega no parlamento estadual, caso do PSDB e PP. Ao mesmo tempo, é uma conquista das forças vivas da sociedade que não admitem onerar ainda mais o consumo, principalmente dos mais pobres e vulneráveis em um momento que enfrenta-se pandemia ainda não controlada, num cenário de fechamento crescente de empresas, escalada do desemprego e de queda vertiginosa da renda.
E por mais que diga que sua proposta poupava as camadas menos favorecidas, com a devolução de parte do ICMS cobrado sobre os alimentos, sabemos todos que isso não passava de pura “perfumaria” a embalar uma realidade que nunca existiria, uma vez que os critérios para que as pessoas atingissem esse direito tornariam suas vidas um verdadeiro calvário burocrático.
Rumo ao terceiro e penúltimo ano de seu mandato, sem sequer cumprir o principal compromisso de campanha – de colocar em dia os salários dos servidores no primeiro ano -, o governador Eduardo Leite recebeu agora um estrondoso sinal de alerta da sociedade: a paciência acabou com uma gestão que até o momento sobreviveu apenas de uma maioria parlamentar construída na Assembleia Legislativa e de discursos bem calculados, mas vazios no saldo administrativo.
Quem governa tem de produzir resultados, mas, até agora, Leite só conseguiu produzir foi mais parcelamento de salários e mais desmonte do patrimônio público gaúcho e dos serviços essenciais. Urgentemente, o governador tem que calçar as “sandálias da humildade”, retomar o diálogo social e político e reestruturar as prioridades da sua gestão excludente e midiática.
Faço, inclusive, uma sugestão a ele: com o projeto de aumento de impostos momentaneamente arquivado, seria muito bem-vindo se o Executivo autorizasse a sua base a aprovar o projeto de lei da Renda Básica Emergencial, que segue no Parlamento. Isso, sim, representaria um apoio concreto e sincero à parcela da população mais vulnerável e que luta para não se tornar refém da fome e da inanição em tempos de pandemia e isolamento.
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)