Por Valdeci Oliveira –
Diante do descrédito de parcela da classe política brasileira, principalmente daquela que em 2018 dizia não pertencer ao dito segmento, é difícil não ser saudosista com os bons exemplos que já tivemos, inclusive, aqui na nossa “aldeia”. Não de hoje, a política brasileira é a “Geni” das instituições nacionais, o que levou muita gente a renegá-la, a culpá-la por todos os problemas enfrentados pela sociedade. E isso resultou na retirada de importantes direitos sociais, na perseguição de segmentos vistos como minorias, na proliferação de discursos de ódio. Resultou em se dar mais importância às armas do que aos livros, e em se colocar em xeque e relativizar o valor da vida humana.
Mas a política pode e deve ser exercida com P maiúsculo. As recentes notícias de processos envolvendo a desindustrialização nacional, que voltarei a tratar mais adiante, me trouxeram à memória – e trouxeram a muitos – o nome de Olívio Dutra. Figura respeitada, cuja percepção ultrapassa as fronteiras partidárias, Olívio tem como mantra reconhecer o povo como sujeito partícipe e construtor do seu próprio destino. E essa lógica o acompanhou enquanto prefeito, governador e ministro. E continua o acompanhando enquanto cidadão militante pela vida e pela justiça social.
Em sua trajetória política, o “Galo Missioneiro”, formou muitos alunos e deu a eles a certeza de que toda luta, quando justa, vale a pena. Um deles, sem dúvida alguma, eu próprio. Para além da admiração pessoal, aprendi com ele que fazer política é esgotar todas possibilidades de diálogo, é mediar os interesses de alguns em detrimento do coletivo, é respeitar adversários sem abdicar da nossa própria visão, é não desistir dos sonhos.
Com Olívio, aprendi que é possível governar uma cidade dando atenção a todas as vozes e compreendi que todos precisam do Poder Público, mas que alguns, infelizmente, precisam mais do que outros. Aprendi que o civilizatório é condição primeira para não cairmos na barbárie e que a consciência de um governante só é completa quando há participação popular nas suas decisões. Com ele, tive a prova de que é possível dividir o pão e não só as migalhas, de que é possível cerrar fileiras com os diferentes quando o interesse maior dialoga com a justiça social.
Olívio mostrou que é factível governar um estado, mesmo com grave situação fiscal, sem atacar trabalhadores, sem retirar recursos da saúde ou da educação e, ao mesmo tempo, ser austero, sem vender um só parafuso para fazer caixa. Que a coisa pública, por ser pública, é de todos e todas. Que o Estado precisa perseguir tanto o desenvolvimento econômico como a inclusão social. Que incentivar a economia não significa direcionar recursos apenas aos grandes, pelo contrário, mas fortalecer pequenos e médios, pois eles são os maiores geradores de empregos.
Por fim, Olívio mostrou que abrir mão de grandes valores para financiar empresas bilionárias é contraproducente pelo alto preço que terá de ser pago e pela falta de garantias concretas à população. Demonstrou que negligenciar a matriz produtiva existente destinando incentivos fiscais a poderosos grupos econômicos é o mesmo que enriquecer seus respectivos dirigentes e acionistas em detrimento das verdadeiras demandas da sociedade.
Esse é o caso da montadora Ford, que anunciou, nesta semana, o encerramento das suas atividades em solo brasileiro, colocando milhares de homens e mulheres no desemprego num momento tão problemático da vida nacional. Duas décadas atrás, Olívio, que acabara de ser eleito governador, se negou a participar daquele que era um verdadeiro achaque aos cofres públicos, que havia sido acertado pelo governo anterior e drenaria vultosas quantias em impostos que deixariam de ser pagos pela empresa, além de um financiamento operado pelo Banrisul e uma série de estudos e obras de infraestrutura que seriam custeadas pelo estado a então uma das maiores montadoras do mundo ocidental. Na época, e mesmo depois, Olívio foi duramente criticado, tanto pelos partidos que lhe faziam oposição como pelas entidades empresariais e pelos grandes meios de comunicação, que não mediram esforços para colar em sua biografia a pecha de destruidor de empregos. Como a chantagem não deu certo, a empresa se instalou na Bahia e lá sangrou os cofres públicos.
Mesmo sendo vítima de um verdadeiro massacre midiático, Olívio se manteve confiante de que estava do lado certo da História. Poderia ter sucumbido às pressões em nome de um projeto futuro, como fazem muitos. Mas o tempo mostrou que ele tinha razão. Em 2013, a Justiça condenou a montadora a ressarcir o governo gaúcho em R$ 162 milhões pelos investimentos já realizados. E agora, com a decisão de ir embora, ficou patente que a empresa nunca teve cumplicidade alguma com a sociedade brasileira, apesar de ter enchido a guaiaca durante décadas.
A lição está aí para ser aprendida. A política, quando feita com seriedade, transparência e compromisso, sempre valerá a pena. E esse é mais um exemplo oferecido por Olívio Dutra.
Foto: Divulgação/PT
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br em 15/01/2021)