Não há quase nada o que se comemorar, dada a conjuntura do momento. Mas também apenas difundir lamentações não serve, é inócuo. O ideal seria que no próximo domingo, 7 de abril de 2019, quando acontece o Dia Mundial da Saúde, os brasileiros e brasileiras pudessem refletir e tomar posição sobre o que está se sucedendo com a saúde nacional.
Conceituada como universal pela Constituição de 1988 e dotada de um Sistema Único, o SUS, que prevê o acesso de qualquer cidadão na sua rede de atendimento, a saúde pública nacional ruma, 31 anos após a sua concepção atual, para o desmantelamento completo ou, no mínimo, para um brutal esvaziamento estrutural.
O desmonte teve um tenaz empurrão quando, em 2016, na gestão de Michel Temer, foi aprovada a Emenda Constitucional 95, que congela por 20 anos os recursos da saúde e da educação no país. Os estudos feitos sobre a EC da Morte, como foi apelidada a medida, indicam que a iniciativa vai tirar da saúde 42% dos recursos anteriormente previstos.
E o desmonte prosseguiu e se aprofundou quando o Mais Médicos, o qual, a par das disputas ideológicas, garantia profissionais da saúde nos quatro cantos do país, inclusive nos rincões, na periferia das grandes cidades e nas áreas indígenas, foi oficialmente sepultado ainda na transição para o governo Bolsonaro.
No “caldeirão” onde fervilha a saúde pública, ainda se incluem a desidratação de programas consistentes como a Farmácia Popular, o Brasil Sorridente, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (SAMU), o Estratégia de Saúde da Família (ESF), as Unidades de Pronto-Atendimento (há mais de 140 UPAs construídas e fechadas no país), etc. Ou seja, o que se vislumbra é um ambiente completamente inóspito para os atendimentos públicos prestados à população na área da proteção à vida.
Qual o futuro disso? Os dias que vêm só tendem a ser ainda mais duros para a saúde pública. O governo Bolsonaro já anunciou a intenção de apresentar, possivelmente ainda nesse primeiro semestre de 2019, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para desvincular totalmente o orçamento da União. Isso é uma “bomba” ainda mais nociva e letal do que os efeitos da EC 95.
Sem essas vinculações, os estados e municípios não terão mais a obrigação de investir, no mínimo, 12% e 15%, respectivamente, na área da saúde, como a legislação prevê hoje. Ora, se com esses percentuais mínimos de aplicação de recursos a saúde já está precária, imagine como será sem a existência desses “escudos legais”.
E na saúde, assim como na política, não existe espaço vazio. Sucateado e subfinanciado, o setor, dentro desse cenário, será paulatinamente substituído pela saúde privada. Isso é música para os ouvidos dos grandes grupos econômicos, de dentro e de fora do país, que sonham em, a partir do processo de privatização, se apoderar de uma clientela de 160 milhões de brasileiros e brasileiras que, hoje, estão cobertos pelo difamado, mas sempre presente e público, SUS.
Caso não ocorra uma mudança significativa de curso, a tendência é que, dentro de alguns anos, o cidadão brasileiro só terá acesso à saúde à medida que tiver condições econômicas para tal. Sem dinheiro no bolso, sem saúde. Confrontando isso com a vida real, fico a imaginar as consequências da “nova saúde” para a maioria da população, que sequer hoje tem condições de pagar um plano privado de saúde.
Se hoje o preço de uma consulta médica já é bastante “salgado” para o povão, como será, então, para um chefe ou para uma chefa de família bancar, com recursos próprios, os custos integrais de exames, internações e medicamentos para si próprio e para seus dependentes? E nesse processo todo é obrigatório considerar e contabilizar o envelhecimento da população brasileira – que só se acentua – e a provável implosão da previdência pública, situações que vão, inevitavelmente, retirar o poder de compra de muitas famílias, especialmente das mais pobres.
Por entender que essa “cirurgia” sem anestesia na saúde verde-amarela só será benéfica para uma pequena parcela da sociedade – aqueles que vão lucrar com a privatização -, é que entendo que esse movimento tem de ser interrompido já. Em vez de permitirmos que o SUS seja precarizado até o seu óbito, temos de, como primeira grande mobilização, buscar a revogação da Emenda 95, a Emenda da Morte.
Essa medida, sozinha, já representaria um sopro significativo de lucidez e de esperança para um setor tão importante e tão apequenado nos dias atuais. Com a palavra, o povo brasileiro, as lideranças e as autoridades que têm o poder de intervir nessa caminhada rumo ao desastre. Saúde não é mercadoria, saúde é direito de todos e dever do Estado.