Artigo – O lugar da mulher

Por Valdeci Oliveira –

O Dia Internacional da Mulher, com todo significado que traz junto de si, não pode ficar restrito ao 8 de Março. Sim, a questão é política em seu sentido mais amplo, e não circunscrito apenas à partidária.
Não bastassem as violações diárias de direitos, do preconceito constante e dos números a engrossar as estatísticas de feminicídios no país, nos choca a realização do encontro antifeminista organizado pela extrema-direita catarinense nesta sexta-feira, 8 de março, no Dia Internacional da Mulher. E o local escolhido para esta chamada “guerra cultural” é a Assembleia Legislativa de Santa Catarina.

Por mais que reconheça a importância do debate e da diversidade de opiniões, é inaceitável que, depois de tudo o que vivemos nos últimos anos, que culminou na intentona golpista de 8 de janeiro de 2023, ainda existam pessoas que usam a democracia para promover ideologias abjetas e contrárias ao que entendemos, do ponto de vista civilizatório, de princípios fundamentais de igualdade e respeito pelos direitos das mulheres.

Não bastasse isso, o fazem justamente numa data tão cara e importante à luta delas por respeito e emancipação. E não tem nada a ver com opinião divergente, mas de uma ação grotesca, que busca na ignorância de muitos e na brutalidade de poucos, jogar por terra o que claramente é reconhecido como avanço na busca pela construção de uma sociedade mais justa, humana e igualitária.

Ao contrário da narrativa que integrantes das parcelas mais retrógradas da nossa sociedade buscam imprimir junto à opinião pública, o feminismo não veio para nos dividir, mas para somar; existe não para excluir, mas para integrar; ele não prega a falsa métrica de mulheres contra homens nem busca estigmatizar quem quer que seja, mas lutar contra todas as formas de violência e preconceito de gênero.

E isso incomoda muito quem acha que a mulher deve ser submissa, passiva e dócil, não importa o que façam com ela. E nesse caldeirão obscuro, de informações manipuladas e de mentiras que não medem suas consequências, estão homens e mulheres que justificam estar numa ‘guerra santa’, do bem contra o mal.

Faltaria espaço para descrever aqui toda a importância do movimento feminista para a nossa evolução enquanto sociedade. Do direito ao voto, passando por questões sociais, de raça, relações pessoais e familiares, mercado de trabalho, renda e saúde, são vários os pontos que unem as vozes que dão eco à luta das mulheres.

Pode parecer que foi há muito tempo, mas somente em 1827, a partir da chamada Lei Geral, é que as mulheres receberam autorização para frequentar – não somente como empregadas – os colégios brasileiros. Até então só eram aceitas na escola primária.

E foi preciso mais de meio século para que as universidades as recebessem como alunas. E para votar, a “aceitação” só veio em 1932. E três décadas depois, quem era casada não precisava mais da autorização do marido para trabalhar, ter direito à herança e a chance real de pleitear na Justiça a guarda dos filhos quando da separação matrimonial.

Mas nada foi dado, e sim conquistado com muita luta e organização via movimentos feministas. Mas parece que nem isso tudo é suficiente para demonstrar para uma parcela da sociedade que o feminismo emancipa, derruba o mito da superioridade masculina onde a regra é a mulher ser propriedade do homem. Ou melhor, é justamente por conta disso que o feminismo é combatido por hordas sectárias e antidemocráticas.

Mais uma mostra? Se você que lê este artigo fosse mulher solteira ou desquitada e precisasse de um cartão de crédito ou empréstimo bancário tinha de levar junto um homem – pai, irmão ou marido – para assinar o contrato junto à instituição financeira.

E isso valeu até, pasmem, 1974, com a aprovação da Lei de Igualdade de Oportunidade de Crédito. Já a regulamentação do futebol feminino tem pouco mais de 40 anos – um decreto de 1941 que proibia tal prática foi sustado somente em 1979. Isso tudo, apesar de absurdo, fez e faz parte da nossa história.

As brasileiras somente passaram a ser vistas como iguais aos homens em direitos e deveres com a Constituição de 1988. E o movimento feminista e a atuação de suas militantes, apoiadoras ou simpatizantes fizeram toda a diferença na construção de legislações que hoje são fundamentais no direto das mulheres, como a Lei Maria da Penha, da aposentadoria feminina, da anencefalia, da prisão domiciliar, da creche e da pré-escola, da igualdade salarial, de proteção imediata para mulheres que denunciam violência doméstica e a lei do feminicídio, entre outras.

Em nome da minha mãe, de 84 anos, da minha esposa, das minhas filhas e netas, saúdo, neste 8 de Março, todas as mulheres que ousam não se calar, que enxergam a si próprias e às companheiras de luta e de vida como sujeitas que moldam a própria existência e o próprio futuro. Mas também àquelas que, por medo e insegurança, aguardam o momento certo para agir.

E como dizem essas lutadoras, o lugar da mulher é onde ela quiser. O lugar da mulher é viver em territórios desprovidos de machismo, de violência de gênero e de desigualdade.

 

Foto:  @lorenafadul