Artigo – Maior cidade da rota da 287 precisa ser respeitada pelo governo do Estado

– por Valdeci Oliveira

A título de comparação, imaginemos uma família comprando a tão desejada casa própria, pagando as mensalidades a partir da assinatura do contrato e vendo o início da construção da futura morada somente depois de quase 20 anos desse ato.  E isso tudo sem ter sido consultada e não terem lhe dado outra opção a não ser aceitar.

Essa analogia cabe muito bem aos santa-marienses no modelo de concessão das rodovias gaúchas, desenhado pelo governo do Estado, com a promessa de duplicação da RSC-287 entre o município e Tabaí, na região Metropolitana de Porto Alegre, de onde partirão as obras.

Pelo projeto, os moradores de Santa Maria e das comunidades da Quarta Colônia, que diariamente se deslocam pela 287 para trabalhar, estudar, ir ao médico ou visitar parentes e amigos, pagarão pedágio por 19 anos até que as máquinas e operários cheguem para iniciar essa importante e fundamental obra de infraestrutura logística, tão necessária e há muito acalentada por todos e todas.

Pelo que tenho acompanhado, não há maiores discordâncias das comunidades quanto ao pedagiamento da estrada em si, tido como necessário para sua duplicação. Mas, sim, ao fato de que desembolsarão diariamente valores cujo retorno verão depois de 19 anos, e aos poucos.

É inconteste a urgência da ampliação da rodovia, que trará mais desenvolvimento e ganhos econômicos e sociais para a nossa região, assim como segurança àqueles que por ela trafegam. O problema é a forma, que – sem nenhum debate com a sociedade – querem empurrar um modelo goela abaixo.

A empresa vencedora da licitação, de origem espanhola, irá explorar o serviço por 30 anos, atravessando a gestão de sete futuras administrações estaduais e com garantias de significativo retorno do investimento feito.

Aliás, esse é outro ponto que mostra que as dificuldades nesse longo período somente serão enfrentadas pela sociedade, até porque grande parte do que for aplicado nas obras será buscado pela empresa junto a entidades financeiras públicas, como o BNDES, a quem o desembolso das parcelas será garantido com as tarifas pagas diariamente por todos nós.

O risco é praticamente zero, coisa que só acontece no capitalismo brasileiro, tão pródigo em socializar prejuízos e deixar os lucros só na esfera privada. Se nessa história tem alguém com proteção garantida, esse alguém não é, novamente, o povo.

Uma outra comparação interessante, que tem sido externada pelas pessoas nos vários debates, conversas e audiências públicas que tenho participado sobre o tema, mostra que uma criança, nascida em Santa Maria no mesmo dia do início das obras na Tabaí, irá crescer, estudar, se tornar maior de idade, irá tirar carteira de motorista, pagará – assim como seus pais fizeram desde que ele veio ao mundo – tarifa de pedágio e não poderá dirigir numa 287 duplicada, pois ela ainda não existirá nesses moldes.

Contando ninguém acredita. Como é possível que a maior cidade da rota da RSC-287 pague por algo que ela estará vendo acontecer, ano após ano, num local 200 km de distância e sem usufruir de qualquer benefício disso?  A pergunta é retórica.

E é precisamente esse injusto e inaceitável imbróglio que, como coordenador da Frente Parlamentar em Defesa da Duplicação da RSC-287, por nós proposta e referendada por significativa parcela de deputados e deputadas da Assembleia Legislativa, temos buscado equalizar junto ao governo estadual.

Mas ao mesmo tempo em que temos organizado essas ações de forma conjunta com lideranças sociais, políticas e empresariais da região Centro do estado, o governo ainda não atendeu aos apelos feitos por prefeitos e de moradores das localidades situadas à margem da rodovia. Por isso, renovo aqui o apelo coletivo que está sendo feito ao Palácio Piratini pela instalação imediata de uma mesa de diálogo e de transparência acerca do assunto.

Dias atrás, o próprio chefe do Executivo estadual, talvez esperando diminuir a pressão e se mostrar aberto aos pleitos, principalmente em ano eleitoral, chegou a anunciar que seu governo irá articular uma avaliação para reservar recursos a um futuro estudo para a duplicação da Faixa Nova de Camobi, retirada do projeto original da duplicação da 287 nos 45 minutos do segundo tempo.

Quem acompanha de perto os fazeres da política, a burocracia estatal e os meandros do tortuoso caminho a ser trilhado para abrir espaço no orçamento público tem noção que essa iniciativa tem muito mais o formato de um factoide eleitoral do que algo que, de fato, “pare em pé” e represente um avanço, pois não há nenhuma indicação de que isso realmente venha a ser feito. Criar uma falsa expectativa para algo extremamente importante foi a frágil resposta dada pelo governador até o momento para um tema tão crucial.

Mas a população, calejada por floreios retóricos, quer mais do que isso. Santa Maria precisa ser ouvida, ser chamada à mesa de negociação, ser contemplada com o início das obras de duplicação nas duas pontas. Santa Maria precisa de respeito.

Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br

Foto: divulgação Governo RS