Artigo – Fortalecer a Democracia nunca é demais

Por Valdeci Oliveira –

Mesmo com todas as agruras que nossa ainda jovem e frágil democracia tem sofrido nos últimos dois anos e meio – e até aqui bravamente resistido -, na última quarta-feira, 28, a sociedade santa-mariense deu mais uma mostra de quanto é importante não desistirmos dela. E esse exemplo vem da nossa UFSM, que, por meio de uma eleição feita pelas mulheres e homens que integram os Conselhos Superiores da instituição, definiu os nomes que irão compor a lista tríplice a ser enviada ao Ministério da Educação para nomeação do próximo reitor.

No pleito democrático, o professor Luciano Schuch recebeu 42 votos e ficou em primeiro lugar, seguido pela professora Martha Adaime e pela professora Cristina Nogueira. O professor Rogério Koff ficou em quarto lugar com 17 votos.

Schuch, que ao lado do reitor, o professor Paulo Burmann, esteve à frente da UFSM como vice no último período, já havia vencido também a etapa anterior da eleição, a pesquisa de opinião feita junto à comunidade acadêmica. Mais que parabenizar todos que participaram do pleito, reforçamos a defesa de que o processo democrático seja respeitado pelo governo federal. Apesar das mostras já feitas em outras ocasiões e instituições, esperamos que o presidente da República respeite o resultado das urnas, reconheça a lista tríplice integrada pelos três primeiros colocados e nomeie como dirigente da UFSM quem venceu, de fato, a disputa.

E é justamente por esse histórico que vamos acompanhar de perto o desfecho desse processo. Desde que subiu a rampa do Palácio do Planalto, no primeiro dia de janeiro de 2019, Bolsonaro já escolheu diversos reitores que não figuravam no primeiro lugar de uma lista tríplice. Em alguns casos, os interventores escolhidos sequer participaram do processo eleitoral. Com isso, o presidente passou por cima da vontade e das escolhas feitas por inúmeras comunidades acadêmicas, ignorou a Constituição Federal e desmereceu um rito que vinha sendo respeitado há décadas no país. 

Deixar de lado quem tenha recebido o maior número de votos e escolher alguém alinhado política e ideologicamente às suas ideias de mundo e de democracia tem sido quase uma regra. Que o digam a Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, a Universidade Federal do Ceará e, entre outras, as nossas Universidade Federal da Fronteira Sul e a própria UFRGS.

No caso da UFRGS, o governo federal ignorou a chapa que encabeçava a lista e que obtivera 45 votos. Em seu lugar escolheu o terceiro colocado, que conquistara apenas 3. O último caso de nomeação nessas condições havia ocorrido há mais de 30 anos, quando foi realizada a primeira disputa à reitoria seguindo as regras hoje vigentes. Se serve como consolo, ainda vivíamos sob os resquícios e vícios do autoritarismo.

Fora esse método que esfacela escolhas legítimas, em outras duas ocasiões, o chefe do Executivo tentou mudar as regras. Mas em ambas o contrapeso das instituições segurou esse ímpeto. No último caso, o desejo era dar ao ministro da Educação todo o poder de nomear reitores e reitoras das universidades federais durante o período da pandemia sem qualquer consulta a estas. Estranho se considerarmos o comportamento do governo em relação à crise sanitária, sempre alheio ao perigo trazido pela covid-19 e incentivador mor da falta de necessidade de cumprimento das mais simples regras e protocolos de combate ao vírus.

Sempre que indagado, o governo tem uma resposta pronta, a de que inexiste uma hierarquia a ser respeitada nas listas tríplices, permitindo a escolha entre os três nomes. Não é preciso muita elucubração para entendermos que, mesmo sendo legal, a legitimidade é zero, assim como o respeito à vontade daqueles que os escolheram. Isso faz, por exemplo, que um nome que receba perto de 50 votos deixe de ocupar a vaga em detrimento de outro que tenha recebido apenas 3, como foi o caso da UFRGS no ano passado.

Como defensor radical da autonomia universitária, espero que esses filmes trágicos não se repitam, e que a eleição da UFSM seja concluída como começou e transcorreu, ou seja, sob a égide do fortalecimento da democracia e da vontade do coletivo. Mesmo não tendo estudado no Campus de Camobi, sou, há muito tempo, um admirador confesso do trabalho realizado pela UFSM. O impacto da Federal é gigante em Santa Maria, na região e no país, e esse patrimônio educacional, científico, cultural, econômico e social precisa ser valorizado e protegido permanentemente. Fortalecer a democracia nunca é demais, nunca é um exagero, ainda mais em tempos que, aqui e acolá, acontecem ataques diretos e flagrantes contra a soberania popular e coletiva.

Parabéns aos vencedores da eleição, e parabéns, especialmente, a todos que colaboraram e atuaram para esse desfecho. Quem ganha com isso é a educação, é a pesquisa, é a extensão, é o desenvolvimento local e regional. Democracia, sempre! Sou UFSM! Somos UFSM!

Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br

Imagem: Site Inteligência Democrática