Artigo – Faça o dever de casa e depois retome às aulas, governador!

Por Valdeci Oliveira –

A decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em meados de março trouxe vários dilemas – muitos deles falsamente defendidos por quem não acreditava na seriedade da doença. No Brasil, nos foi imposto que deveríamos escolher entre a economia e a vida, como se uma excluísse a outra. Os mesmos negacionistas também colocaram diante de nós que bastava cuidar dos mais idosos, como se esses fossem o único grupo de risco a ser atingido em gravidade pela covid-19. E, com mais de 135 mil mortes depois, continuam a nos sonegar o direito à segurança e a nos empurrar doses maciças de medicamentos comprovadamente ineficientes no tratamento contra o vírus.

Mesmo aqueles gestores que inicialmente asseguravam tomar decisões baseadas na ciência, como aqui no estado, agora nos dão prova de que também foram contaminados com o vírus, mas, dessa vez, com o vírus da insensatez, cuja fraqueza política é o principal sintoma.

O retorno às aulas presenciais nas redes pública e privada no RS, neste momento, mesmo com regras de distanciamento social, escalonamento e uso de máscaras e produtos de higienização, entre outros, sugere que a atenção do governo está mais voltada às questões econômicas do que a preocupação com o ensino propriamente dito. Não fosse assim, o estado teria utilizado todo seu poder político e institucional para disponibilizar acesso ao ensino remoto na rede pública dias ou semanas após a interrupção do ano letivo. Mas não o fez.

O retorno de milhares de crianças e jovens às salas de aula é uma questão séria, pois, apesar da aparente normalização que alguns querem passar, ainda estamos em meio a uma pandemia em que as várias medidas anunciadas pelo governo meses atrás sequer foram cumpridas. Há ainda outros fatores que precisam ser considerados: nossas taxas de transmissão estão acima da média nacional e de estados com populações maiores que a nossa. Além disso, as informações destacadas na nota da Sociedade Rio-grandense de Infectologia (SRGI) são pertinentes. Nas palavras da entidade, nenhum país, até o momento, promoveu a reabertura das escolas durante a pandemia com índices de contágio tão elevados quanto os observados hoje, no estado.

Desde que retomou seu ano letivo, há cerca de 15 dias, o Ministério da Educação francês voltou a suspender o funcionamento de 80 escolas. Em uma semana, foram registrados 1,2 mil novos casos da doença entre os alunos. O mesmo vem acontecendo na Inglaterra, que tem registrando surtos em colégios após a retomada das aulas. Na Itália, primeira nação europeia a fechar os estabelecimentos de ensino e a última a retomar as atividades, houve um investimento na ordem de R$ 18 bi na ampliação do número de professores e compra de materiais. Mesmo assim, há ensaios de novos adiamentos.

Para a SRGI, a proposta apresentada pelo governo gaúcho não considerou ainda qualquer indicador que adequadamente reflita a taxa de transmissão em crianças com maior precisão e rapidez, tampouco de índices, que, uma vez atingidos, determinariam novo fechamento das escolas. A nota destacou também que não há nenhuma proposta de ampliação da cobertura de testes ou programa de testagem específico para o acompanhamento de aumento de contágio junto aos estudantes, professores e funcionários, além de que não há medidas concretas que permitam detectar precocemente surtos. Na prática, nosso estado não registra nenhum índice positivo que advogue em favor da volta às aulas (como ter disponibilidade de leitos clínicos e de UTI na faixa de 75% livres, previsão de esgotamento de leitos de UTI superior a 57 dias ou diagnosticar pelo menos 80% dos casos no território, entre outros).

Sim, nossas crianças e adolescentes precisam voltar às aulas, mas em ambientes seguros. Mas o que estão nos oferecendo, infelizmente, não é isso. E como é preciso distinguir o que é desejo do que é realidade, apresentei requerimento para a realização de audiência pública, aprovado unanimidade na Comissão de Saúde e de Meio Ambiente (CSMA) da Assembleia Legislativa, para que se discuta e se verifique as reais condições sanitárias, de equipamentos de proteção individual, testagem de professores, funcionários e alunos para o retorno às atividades letivas presenciais. Quando estão em jogo a vida de crianças, adolescentes, jovens, professores, servidores de escolas – e dos seus familiares também -, há que se ter muita, mas muita responsabilidade. Só que esse artigo parece estar em falta nos lados do Palácio Piratini.

Registro aqui o meu total e incondicional apoio aos incansáveis professores e membros da comunidade escolar que, de forma quase quixotesca, apesar dos salários atrasados e parcelados, têm se empenhado na defesa da vida, suas, de seus alunos e dos seus familiares. Essa mesma preocupação deveria ocupar os corações e mentes das autoridades que têm a “caneta na mão” no nosso Rio Grande.

Falar em empatia é bonito, mas praticá-la é que é crucial nesse momento.

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)