Por Valdeci Oliveira –
As agruras enfrentadas pela população quando o tema é saúde não são novas e estão intimamente ligadas às escolhas políticas, às prioridades dos governos e aos investimentos feitos na área. E nesse tripé não há espaço para mágicas ou truques. No máximo, os problemas ficarão escamoteados por um tempo, como sujeira embaixo do tapete. Mesmo não enxergando ela estará lá. Qualquer gestor minimamente ciente dos obstáculos a serem superados sabe que todo centavo destinado ao setor faz diferença, resulta em acesso, em compra de medicamentos e na qualificação da linha de frente.
Aqui no RS, a “nova” crise atende pelo nome de IPE Saúde, certamente o maior plano de saúde do estado e que deveria garantir assistência a mais de um milhão de gaúchos e gaúchas – servidores públicos, dependentes e pensionistas – que mensalmente contribuem com parte de seus rendimentos para ter o direito à assistência médica. Porém, a realidade hoje de quem recorre “à carteirinha do IPE” é se deparar com médicos descredenciados, que não veem vantagem alguma em atender pelo convênio.
E para piorar um cenário que já se mostrava preocupante, a Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos e a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do RS encaminharam, dias atrás, notificação ao governo estadual que pode resultar na rescisão contratual e na suspensão dos atendimentos caso não haja uma solução para os atrasos nos pagamentos às instituições credenciadas. Atrasos estes que chegam a chegam a R$ 1 bilhão.
A crise do IPE Saúde, se não solucionada, resultará, como já vem acontecendo, numa pressão ainda maior sobre o sistema público de saúde, o SUS, que também irá precisar de aportes significativos, principalmente por parte da União, para dar conta da demanda reprimida que já bate à sua porta, resultante da pandemia e do pós-pandemia.
As sequelas deixadas pela covid-19 na população – que vão de problemas neurológicos, motores, respiratórios e psicológicos -, somados aos milhões de cancelamentos e transferências de cirurgias e consultas nos últimos dois anos, se desenha como uma bomba-relógio que também precisa ser desarmada.
E aumentar ainda mais a procura, empurrar para o SUS parcela significativa da população que tem no IPE Saúde sua salvaguarda, certamente vai em direção oposta e não contribui em nada para desafogar um sistema que, apesar de ter demonstrado toda sua importância durante o caos sanitário, é subfinanciado e carente de recursos.
Problema posto, o Parlamento gaúcho, ciente das suas responsabilidades como poder político e de representação eletiva da sociedade, se somou a diferentes atores – usuários do IPE Saúde, trabalhadores e trabalhadores da área, prefeituras e gestores hospitalares – e tem buscado respostas, dados, projeções atuariais e informações técnicas para, de forma coletiva e transparente, construir alternativas que se concretizem numa solução que não pode esperar e que exige posições claras e imediatas do executivo estadual.
Na última terça-feira (22), a partir de uma proposta da presidência da Assembleia Legislativa, fomos atrás de esclarecimentos, de um posicionamento por parte do governo sobre a realidade do IPE Saúde. Com líderes de todas as bancadas partidárias, apresentamos diversos questionamentos à Casa Civil e ao presidente do IPE Saúde, Bruno Jatene.
Recém empossado, Jatene pouco pode acrescentar, a não ser um pedido de mais tempo para tomar pé da situação e fazer uma radiografia dos números. Compreensível no caso do novo gestor, mas pouco aceitável em se tratando de um problema que está longe de ser uma novidade. Diante disso propusemos um novo encontro, no próximo dia 5 de abril, para que as respostas nos sejam dadas.
Mais do que simples reuniões, se tratam de movimentos concretos feitos pela Assembleia Legislativa e que já resultaram no compromisso do governo em reajustar as tabelas remuneratórias para medicamentos e serviços.
Mas é necessário também prestar atenção na nota pública divulgada pelo Sindicato dos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas do RS que lembra que a receita do IPE Saúde está vinculada ao salário dos servidores (3,1%), o qual está há oito anos sem a reposição da inflação, com perdas que chegam a 50%, enquanto a inflação médica cresceu 15% ao ano. Já os atrasos nos repasses das cotas paritárias e patronais resultaram numa dívida do Estado com o Fundo de Assistência à Saúde (FAS) em mais de R$ 500 milhões.
Saúde é direito inalienável do qual não podemos abrir mão e, constitucionalmente, um dever das diferentes esferas do estado brasileiro. Negligenciar sua importância é o mesmo que colocar a população à própria sorte, num cenário em que o darwinismo social, a depender da renda das pessoas, é quem ditará as regras.
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)