Por Valdeci Oliveira –
“Se nossos governantes não fizerem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construírem presídios”. A frase foi dita pelo grande Darcy Ribeiro em 1982. Como vemos, acertou em cheio. Tem outra: “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é projeto”. Esta ilustra diversos momentos da nossa história, principalmente o atual, em que a educação, a cultura, o saber, a pesquisa, a ciência e o pensamento crítico são como hereges a serem jogados na fogueira da Santa Inquisição.
O mais recente corte anunciado pelo governo Federal no orçamento em áreas já subfinanciadas como a educação acertou em cheio os repasses ao ensino público superior brasileiro. Trazendo para a realidade local, mais especificamente tendo a nossa UFSM como sujeito duramente afetado, a Universidade seria, numa linguagem cinematográfica, o primeiro plano de uma imagem mais complexa, com diversos outros atores, interesses e consequências.
Com a tesourada aplicada pelo governo central, a UFSM viu, da noite para o dia, desaparecerem do seu orçamento de R$ 9 milhões. O baque tende a piorar algo que já vem se desenhando e acumulando nos últimos anos. Após cortes, contingenciamentos, bloqueios e perda de verbas, a UFSM já havia começado o ano com um déficit de R$ 38 milhões. E a decisão política do governo federal é de tirar ainda mais, aprofundando uma realidade financeira considerada como uma das piores e mais preocupantes desde sua criação.
A discussão sobre a possibilidade de cortes acadêmicos não se trata de um sinal de alerta, mas vermelho. Nos casos das unidades de ensino – principalmente as públicas – comprometidas com sua função social, como é o caso da UFSM, comumente se busca fazer a redução no setor administrativo, considerada menos prejudicial à atividade fim. Essa fase já passou. O próximo passo irá impactar na concessão e manutenção de bolsas de estudo e de pesquisa para estudantes e na manutenção de recursos em projetos considerados relevantes para diversas pró-reitorias. Não é preciso ser expert em educação para se ter claro que afetará, de maneira drástica, o ensino e a produção científica da universidade.
De forma prática e resumida, o que estamos presenciando ano após ano é a aplicação de políticas que resultam na criação de dificuldades ao acesso ao ensino superior público, na sua precarização, desvalorização de quem nele trabalha e desrespeito a quem nele estuda. É caminhar na contramão da história, se negar a enxergar os vários exemplos de países que se transformaram a partir do investimento na educação em todos os seus níveis. E como na vida nada é por acaso, a frase assustadora e lúcida do grande Darcy Ribeiro faz sentido: é uma questão de projeto.
Por isso, a necessidade de virmos a público denunciar mais este descalabro, apoiarmos os protestos e articulações que têm sido feitos por diversas entidades da sociedade civil que lutam pela ampliação, universalidade e qualidade do ensino público, nos solidarizarmos com o corpo docente e discente da UFSM e com a sociedade santa-mariense em geral, pois não há como passar incólume: Santa Maria e UFSM são as duas faces da mesma moeda, são sinônimos uma da outra, suas vidas estão íntima e intrinsecamente ligadas. Para além disso, seu orçamento é superior ao do município, movimenta direta e indiretamente uma gama de serviços. Para efeito ilustrativo, está se retirando recursos de um orçamento que já era R$ 20 milhões menor em valores pré-pandemia. O reflexo foi que, neste ano, já foram realizadas 98 demissões de trabalhadores terceirizados. Se a essa matemática forem somados os 291 desligamentos feitos entre 2014 e 2021, chega-se a R$ 10 milhões que deixaram de circular na economia local.
A importância e relevância da UFSM pode ser medida – ou melhor compreendida pela sociedade, que ao fim e ao cabo é a verdadeira beneficiada pelo seu trabalho – quando se sabe que ela é considerada a 29ª melhor universidade da América Latina e Caribe pelo Latin America University Rankings 2021, além de ser a 14ª melhor instituição do país – a terceira se considerarmos apenas as do solo gaúcho – e a 5ª melhor do Brasil no combate à fome e desenvolvimento da agricultura sustentável. Motivos mais do que suficientes para se lutar contra – e quiçá derrotar – a ignorância e o obscurantismo ideológico que se concretizam na desconstrução do saber, na colocação de obstáculos ao acesso e à inclusão, no jogar fora o acúmulo intelectual de um estado e nação, na aniquilação da chance de descobertas e na extinção do debate e da liberdade acadêmica.
E como não me considero o dono da razão, recorro novamente a Darcy Ribeiro. “Mais vale errar se arrebentando do que poupar-se para nada”.
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)
Foto: Leonardo Neusser Sichinel/Portfólio UFSM