Artigo – Congelar salário de professor não é moderno nem inovador

Por Valdeci Oliveira –

Diz-se na política que uma eleição começa quando o resultado da última é divulgado. Descontando uma certa ponta de exagero, pode-se dizer que o mundo real é assim, gostemos dele ou não. Também não se trata de uma exclusividade brasileira, mas o tom presente em praticamente todas as democracias liberais do mundo.

Na prática, a política partidária, e o poder em particular, está diuturnamente em disputa, sem vácuo, onde todo o espaço sempre será ou estará ocupado. O fato se configura em problema quando os postulantes relegam a um segundo plano suas obrigações em detrimento do que desejam no futuro, aqui medido num espaço de quatro anos ou, dependendo do caso, não mais do que 24 meses.

No Rio Grande do Sul estamos, como se diz, sentindo na carne os resultados desse xadrez, cujas peças vêm sendo movidas por diferentes jogadores, muitos sem nome ou presença física num palco que deveria ser público. Por aqui sentimos, e não de hoje, que as atenções do governador estão mais voltadas a conquistar apoio do próprio partido, em âmbito federal, ao seu nome numa eventual disputa ao Planalto do que governar, de fato e transparentemente, o estado para todos os gaúchos e gaúchas.

Na ânsia de se apresentar como figura viável, e tendo para isso que retirar do páreo nomes como o do colega paulista João Dória, mesmo que isso signifique negar escolhas que nos trouxeram ao caos que vivemos hoje em nível nacional, o governador gaúcho, no momento, passa dias fora das nossas divisas, numa articulação por apoios que necessita de tempo e foco.

Trata-se de uma tarefa que exige dedicação quase exclusiva. Apesar de legítima, a postura do chefe do executivo gaúcho tem extrapolado na dose recomendada a quem tem um estado para governar. Isso faz com que o cobertor sempre deixe uma parte do corpo destapada. No caso, este corpo é o próprio RS e sua população de mais de 11 milhões de pessoas, que moram em 497 municípios e cujas necessidades são tão distintas quanto urgentes.

Por aqui, diariamente, continuam morrendo pessoas pela covid-19, formando um triste conjunto que já ultrapassou 33 mil óbitos e mais de 1 milhão de doentes. Por aqui, apesar das inúmeras cartas de intenções, nenhuma dose de vacina foi adquirida pelo Piratini, o que agilizaria mais a imunização, apesar desta ação ter sido autorizada pelo Parlamento. Por aqui, o pragmatismo diante da pressão deu lugar às posturas iniciais embasadas na ciência. Conforme a situação se deteriorava, mudava-se as regras e as cores das bandeirinhas.

Não haveria problema algum do governador fazer o que está fazendo há meses em seus périplos nacionais se a população estivesse assistida. Tivesse o governador contemplado os gaúchos e gaúchas com a mesma energia que vem dispensando para ser o nome da chamada “terceira via” na corrida presidencial, a nossa realidade não seria a de salários de professores – e demais categorias do setor público – congelados há sete anos. Não veríamos, no lugar de projetos de desenvolvimento de nossas matrizes econômicas, nossas regiões inundadas por mais de duas dezenas de praças de pedágios que farão a alegria de grandes conglomerados econômicos pelos próximos 30 anos.

Tivesse o governador com o RS o mesmo compromisso que tem demonstrado para se apresentar ao restante do país como um político moderado e que busca consensos, não observaríamos, na sua própria gestão, uma falta de diálogo notória com aqueles que pensam diferente, principalmente com os trabalhadores e trabalhadoras do serviço público estadual.

Fosse o governador a pessoa cuja imagem busca apresentar para a mídia do centro do país, o RS não contaria hoje com uma legislação que permite usar em nossas lavouras agrotóxicos de alta periculosidade à saúde humana. Da mesma forma, essa pretensa modernidade não resultaria em entregar o controle da nossa água, um bem estratégico para a manutenção da vida, a grupos cujo único compromisso são os lucros a seus acionistas.

Também teríamos um auxílio emergencial decente, conforme o nosso mandato propôs na Assembleia Legislativa e no gabinete do próprio governador, que, utilizando recursos depositados em um fundo estadual que existe para isso, minimizaria a fome de 400 mil famílias pobres.

Antes de qualquer coisa, Sr. governador, é preciso cuidar da nossa casa e da nossa gente. O RS é aqui e agora. E ele também precisa ser visitado, principalmente o seu interior. Caso contrário, nossas façanhas nunca servirão de modelo a ninguém, serão apenas letra de hino e slogan de governo.

Faço questão de recordar o governador: congelar salário de professor por anos a fio, encher as estradas de pedágios ou privatizar a água pública não é moderno nem é inovador. Isso é a repetição de uma agenda obsoleta de desenvolvimento. Essa agenda, no passado, pode ter até garantido muito recursos a poucos bolsos, mas, para o grosso da população, esse projeto fracassou retumbantemente na tarefa de melhorar os indicadores socioeconômicos do Rio Grande. Vamos insistir no erro e ainda projetá-lo ao país?

Imagem: Reprodução/Sindsep-PE

Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br