Por Valdeci Oliveira –
Na última quinta-feira (31), o presidente Lula assinou o decreto criando o Plano Brasil Sem Fome. Assim, o oitavo mês do Brasil sob nova direção termina com a largada de uma corrida que integra um conjunto de 80 ações e políticas públicas de 24 ministérios, uma maratona que busca concretizar cerca de 100 metas traçadas. A linha de chegada, neste caso, traz inscrito que a meta, novamente, é a de garantir dignidade aos socialmente mais vulneráveis. E, para isso, a atuação será em três eixos: acesso à renda e ao trabalho; alimentação saudável da produção ao consumo e mobilização para o combate à fome.
Mais do que um simples ato governamental, a medida trata da retomada de um trabalho que não começou agora. Desde o início do primeiro mandato de Lula como presidente, em 2003, essa foi uma pauta permanente nos 13 anos seguintes e que uniu esforços e canalizou recursos para viabilizar este tipo de transferência de renda tida como uma das mais resolutivas quando formatada junto a outras iniciativas, sejam elas de caráter educacional, de saúde ou de geração de emprego.
E como a vida segue, não adianta ficarmos lamentando sobre o leite derramado, que fez com que novamente tivéssemos de conviver com a chaga da falta do que comer, que ganha caráter surreal por estar inserida num país cuja produção agrícola bate constantes recordes. Por outro lado, é importante termos na memória – até para que não venhamos a repetir os erros do passado – quem, por incompetência ou deliberadamente, fez com que o problema voltasse com toda a força no Brasil a partir de 2016, se acentuando nos anos seguintes. Depois de uma década de medidas concretas, o Brasil havia saído, em 2014, do Mapa da Fome da ONU. Mas aquele conjunto de políticas públicas foi sendo esvaziado e extinto pelas autoridades que deveriam ter a decência de olhar quem está à margem, não pelo viés eleitoreiro, mas humano. Se bem que pedir algo nesse sentido, considerando os atores de tal mazela, seria demais. O importante, no caso, foi a resistência e luta de milhares para que a esperança de dias melhores não virasse pó na seara da intolerância e da falta de humanidade que se tornou moeda corrente num passado ainda recente.
E foi justamente por isso, olhar para frente e ir atrás de ações concretas, que nós, no extremo Sul do país, articulamos a criação do Movimento Rio Grande Contra a Fome. Isso foi ainda no ano passado, quando estivemos à frente da presidência do Parlamento estadual. Conversamos com quem foi preciso, não olhamos as cores partidárias nem as visões de mundo, pois sabemos que não construímos nada sozinhos e cada ação é importante neste somatório de forças.
A nova proposta do presidente Lula é a de integrar os sistemas de segurança alimentar, de assistência social e de saúde, ladeados também por um programa de alimentação no Sistema Único de Assistência Social, que, a partir de compras da agricultura familiar, visa garantir a oferta de alimentos adequados e saudáveis. E nesse sentido, entre outros que vierem a ser integrados ao processo, o “Rio Grande Contra a Fome” também dialoga com a iniciativa.
A partir da nossa defesa junto ao Comitê Gestor do colegiado, formado por representantes de todos os poderes do estado, ficou estabelecido que o recurso de R$ 20 milhões do orçamento do Parlamento gaúcho, destinado no final da nossa gestão, será totalmente aplicado na aquisição de alimentos de cooperativas e empreendedores da agricultura familiar sediadas no RS.
Assim, atuamos tanto contra a insegurança alimentar de parcela significativa da população como em apoio a milhares de famílias de pequenos produtores rurais. Trata-se de uma espécie de sinergia, de aproveitamento de uma oportunidade que inclui fomento econômico e circulação de recursos nos pequenos municípios.
Pedido de audiência pública por nós protocolado, e que deverá discutir os detalhes desta ação, foi aprovado pela Comissão de Agricultura da Assembleia no mesmo dia do anúncio do presidente Lula. Quanto mais gente vier para o debate, maiores são as chances de acertarmos.
A fome tem várias facetas. Ao falarmos em termos percentuais, no meio rural ela é maior. Mas é nos conglomerados urbanos que está, em números absolutos, a maioria dos que sofrem com o prato vazio. Estamos falando de algo em torno de 27 dos 33 milhões de cidadãos que enfrentam condições graves de ausência de comida, que afeta mais a população negra e os lares chefiados por mulheres, particularidades que estão sendo consideradas.
O Plano Brasil Sem Fome ainda prevê a retomada dos estoques públicos para regular o abastecimento e os preços dos alimentos, pauta esta que venho debatendo com o presidente da Conab, o companheiro Edegar Pretto, desde que ele assumiu a gestão da Companhia. E nessas ocasiões, temos colocado o Movimento Rio Grande Contra a Fome à disposição para ajudar e dar musculatura a esse plano de debelar, no menor espaço de tempo, essa carência inaceitável e desumana por comida na mesa.