Artigo – Censura? Só ao ódio e à violência

Por Valdeci Oliveira –
No momento em que o debate se volta para o PL 2630, o que trata das Fake News, li uma postagem com a seguinte indagação: quantos caracteres (letras) vale a vida de uma criança? Ilustrava o texto a figura de um pássaro branco, que nos remete à marca de um valioso microblog e cuja penetração como ferramenta de comunicação é gigantesca. Sobre um fundo azul, texto e ave traziam traços de sangue. Mais do que agredir a sensibilidade das pessoas, a mensagem era clara, um questionamento que, principalmente na atual conjuntura, precisa ser respondido pela sociedade.

O fato é que o debate é sobre a criminalização dos discursos de ódio e informações falsas no mundo virtual e que estes, assim como na vida real, sejam identificados e criminalizados, e as plataformas, que lhes dão guarida e ganham muito com isso, sejam responsabilizadas.

O tema ganhou importância e urgência ainda maiores após a série de atentados em escolas brasileiras que tiraram a vida de uma professora e alunos, além de outros casos de agressões e violência graves. Tudo planejado e articulado a partir de sites, blogs e aplicativos na internet.

Da mesma forma que os atos sanguinários contra crianças, a turba criminosa atuou dentro do mundo virtual com a mentira nas eleições de 2018, soterrando internautas com inverdades e cujo rosto mais conhecido foi a mamadeira em formato do órgão sexual masculino e o kit que estimulava nossos pequenos a se tornarem homossexuais. Quatro anos depois, foi a vez do fechamento de igrejas, subtração de bens privados e estímulo à violência contra oponentes políticos. E entre esses dois pleitos, uma pandemia. O que leva a outra pergunta: quantas pessoas morreram por acreditar que as máscaras eram prejudiciais ao sistema respiratório, que o distanciamento social era inócuo e que as vacinas causavam câncer e infertilidade?

Operar maciçamente no descrédito do sistema eleitoral brasileiro, jogar instituições umas contra as outras e permitir a organização de células nazistas também fazem parte dessa lista, longa e abjeta.

Censurar a Bíblia foi um dos últimos absurdos da série de manipulações levadas a cabo na última semana pelo circo de horrores que é a extrema-direita brasileira, que ao lado das megacorporações, as chamadas big techs, são as únicas beneficiadas pelo modelo atual.

A primeira difunde suas barbaridades aos borbotões enquanto seus canais monetizados faturam milhões. O segundo grupo gera receita pelos serviços num modelo de negócio multimilionário que se impôs e é por ele dominado e manipulado. Prova disso foi a união desses atores nos dias que antecederam a tentativa de votação do PL, no início desta semana, em que mensagens contra ganharam significativo alcance e distribuição em detrimento dos defensores da proposta, que sequer conseguiam publicar, comentar ou compartilhar conteúdos. E a explicação oficial foi a instabilidade dos sistemas.

Que sociedade em sã consciência isenta aqueles que utilizam o mundo virtual para desagregar e incitar a população, principalmente nossos jovens e crianças? Como não aplicar a lei em quem utiliza o mundo digital para cometer crimes, defender ideologias nazifascistas, bullying, autoflagelações, maus tratos contra animais, inverdades contra a ciência e a saúde pública?

A internet veio para tornar o mundo, na teoria, um local mais democrático, onde a circulação e produção da informação deveriam trazer a ascensão da cidadania, difundir o conhecimento e buscar o crescimento humano. Mas ela se tornou um terreno fértil para o desenvolvimento de embriões que mais tarde tomam a forma de teorias conspiratórias, mostrou ser uma faca de dois gumes em que o lado mais afiado está a cortar a epiderme da sociedade de maneira profunda, dolorida.

E para combater qualquer tentativa de regulamentação, os detratores do PL 2630, cuja votação foi adiada, estão utilizando todas as suas fichas, incluindo as mais sujas, sua especialidade. Via fake news colocam o projeto como censura, mesmo ele sendo autoexplicativo: Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência.

Para esse grupo, mesmo diante de tanta tragédia, ódio e desinformação, é pedir demais que a identificação de contas em redes sociais e serviços de mensagens instantâneas seja obrigatória, que se crie mecanismos de verificação do que é postado e que plataformas e usuários que causem danos pela disseminação de informações falsas sejam responsabilizados.

E, ao contrário do que afirmam, o projeto sequer é do governo, mas do senador Alessandro Vieira (Cidadania/SE), que o protocolou em 2020. Por óbvio não se trata de algo perfeito, e discuti-lo faz parte do jogo.

Estamos diante de um dilema a que somos chamados para resolver, caso contrário sucumbiremos enquanto espaço de convivência, enquanto aquilo que a sociologia identifica como “um grupo de indivíduos se relacionando, a fim de conseguir e preservar seus objetivos comuns que, compartilhados pelos membros da sociedade, são os próprios objetivos desta, ou seja, o bem comum.”