Por Valdeci Oliveira
Se alguém tinha alguma dúvida, agora não tem mais. O problema não chega a ser propriamente fiscal, falta de recursos, mas resultado de uma escolha, uma escolha política. Os novos cortes anunciados nos orçamentos das universidades federais brasileiras para o ano de 2020 demonstram que a questão é puramente ideológica, feita por um ministro para quem o presidente da República é comparável a Josué, personagem bíblico que sucedeu a Moisés para conduzir seu povo à terra prometida.
Mesmo considerando o problema nas contas do governo federal, muitos segmentos do setor público e privado brasileiro contaram no último período – e vão contar no próximo também – com gordas fatias daquilo que chamamos de orçamento da União. As universidades e institutos federais do país não só ficaram de fora desse “clube” como perderam valiosos recursos dos quais dependem única e exclusivamente para sua manutenção e existência. Dessa vez, o corte chega a R$ 2,7 bilhões. E neste cenário de disputas pelo orçamento onde apenas alguns levam a maior parte, a UFSM perde 33%, ou R$ 47 milhões para esse ano, um dinheiro que na prática deixará de circular na economia santa-mariense.
A UFSM – assim como todo o sistema público de educação federal atingido pela nova retirada de recursos – não está sozinha nessa conjuntura que venera a ignorância, que marginaliza a busca pelo conhecimento e que retira dos mais pobres seus mais elementares direitos. A UFSM está ao lado, por exemplo, do Programa Farmácia Popular, que deixou de atender 7 milhões de pessoas nos últimos 2 anos e cujo orçamento de 2019 foi o mais baixo desde 2013. A UFSM está junto à fila para o Bolsa Família, que ultrapassou a marca de meio milhão de candidatos, fora os mais de 1,3 milhões de famílias pobres que perderem o benefício no ano passado. Com a UFSM, estão as unidades básicas de saúde, que em junho de 2019 possuíam em seus quadros cerca de 30 mil médicos e hoje contam com 26 mil. Junto à UFSM, estão os mais de 2,2 milhões de brasileiros que encaminharam seus pedidos – a maioria no valor de um salário mínimo – de aposentadoria e outros benefícios pagos a idosos e deficientes de baixa renda, e que estão parados no INSS, aguardando resignados por uma homologação que pode demorar até 1 ano. A UFSM está com os 1.121 leitos hospitalares para atendimento pelo SUS que foram fechados no Rio Grande do Sul entre dezembro de 2016 e dezembro de 2019, resultado da chamada PEC da Morte, que congelou os investimentos federais por 20 anos.
Com a UFSM, estão as quase 87 mil pessoas que, graças à reforma trabalhista foram contratadas em 2019 ganhando menos de R$ 800 por mês por conta dos contratos de trabalho intermitente. Também estão do mesmo lado da UFSM os jovens brasileiros que irão trabalhar pela tal Carteira Verde e Amarela, sem as garantias da CLT, com FGTS reduzido, com o parcelamento em até 12 meses das suas férias e fundo de garantia, com um adicional de periculosidade caindo dos atuais 30% para míseros 5% e sem direito ao auxílio-doença caso se acidente indo ou voltando do trabalho.
Mas enquanto a UFSM e suas congêneres veem desaparecer justas conquistas civilizatórias, um outro Brasil não se queixa. O auxílio-moradia no valor de R$ 4,3 mil a juízes – mesmo àqueles que possuíam casa própria – custou R$ 1,7 bi por ano aos cofres públicos desde que foi concedida, pelo ministro do STF Luiz Fux, uma liminar garantindo esse “direito” aos magistrados, em 2014. Os grandes bancos e a “comunidade rentista” receberão, neste ano, R$ 1,9 trilhão referente a amortizações, juros e encargos financeiros da dívida pública, algo próximo a 51 % do total do Orçamento nacional, o maior volume já direcionado pelo país em toda sua história. Aos militares das três Forças, que na reforma da previdência garantiram uma das mais positivas reformulações nas carreiras, foram concedidas inúmeras benesses, incluindo aumento salarial até 2023, adicionais que chegam a 41% para os oficiais-generais e a não exigência de idade mínima para se aposentar.
Também navegam em “céu de brigadeiro” os grandes veículos de comunicação privados, principalmente aqueles que apoiam o governo. As verbas para a publicidade governamental ficaram próximas dos R$ 200 milhões no passado. Também estão rindo à toa os deputados e senadores que votaram a favor da reforma da previdência e que viram o governo liberar R$ 8 bi em emendas parlamentares para seus currais eleitorais em 2019.
Definitivamente, a questão não é a falta de recursos, mas como e a quem eles são verdadeiramente destinados. Se trata de uma espécie de darwinismo orçamentário, onde os mais fracos sucumbem diante dos mais fortes. A pergunta é: em um país desigual, educação, saúde, previdência, assistência social e os direitos trabalhistas não deveriam estar em um patamar de prioridade pública bem acima do que o dos os interesses individuais e corporativistas de banqueiros, generais de plantão, juízes e deputados e senadores?