Por Valdeci Oliveira –
No artigo de encerramento do ano, afirmei que 2023 havia sido de retomada. E isso sem ignorar as dificuldades surgidas. Não fossem elas, poderia ter sido ainda melhor. Mas diante do grau de destruição experimentado em inúmeras áreas a partir de 2019, até que a esperança se saiu muito bem sobre o medo. O negócio é olhar para frente, buscar ser propositivo e aprender com os erros e acertos.
E neste sentido, a Educação cai como uma ‘luva’.
Como digo, não se trata de olhar pelo retrovisor, mas avaliar o que vinha sendo feito como política pública – ou pela falta desta. No segundo semestre de 2022, por exemplo, meses antes do primeiro turno da eleição presidencial, o governo passado havia anunciado um corte de R$ 2,4 bi do Ministério da Educação (MEC), o que resultaria na inviabilidade da manutenção de universidades e institutos federais. Mas por pressão da sociedade, se obrigou a voltar atrás. A título de informação, a então gestão foi responsável pelo menor índice de investimento na área e também a que mais passou a tesoura no MEC e no Ministério da Ciência e Tecnologia desde 1999, ano mais recente em que há dados no sistema federal. O cruzamento das informações foi feito pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), que é um núcleo de pesquisa ligado à Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
Quando falamos em ‘investimentos’, estamos nos referindo a reformas em universidades e escolas, obras em laboratórios, compra de equipamentos, livros e para novas políticas públicas. Considerando que o governo do presidente Lula trabalhou todo ano de 2023 com um orçamento preparado e votado no ano anterior, muito esforço foi feito e muita saliva foi gasta para que o cenário fosse outro. Para efeito comparativo, em 2022 foram R$ 3 bilhões destinados a investimentos, valor muito abaixo dos entre R$ 10 bilhões e R$ 20 bilhões aplicados entre 2009 a 2015 por Lula e Dilma. Com ambos, o orçamento da educação cresceu de R$ 50,6 bilhões em 2002 para R$ 132,3 bilhões em 2015. Atualizado pela inflação para 2021, um aumento real de 161,7%. E se tratam de dados oficiais, não de números recebidos da “tia do zap”.
Lembro muito bem que, nas décadas de 1980 e 1990, o discurso, tanto dos governantes como de economistas liberais, era de que a educação era a chave para o desenvolvimento das nações. E o símbolo utilizado era a Coreia do Sul (antes era o Japão). Porém, tanto os governos como os tais economistas viam a área como despesa e não como investimento e limitavam os recursos na linha ‘não gastar além do que se arrecada’, como se o orçamento público fosse igual ao doméstico.
O fato é que precisou um metalúrgico ‘analfabeto’ chegar à presidência do país para que a realidade se alterasse, não sem muita disputa, negociações, cedência de espaços na estrutura governamental e combate às fake news produzidas por um segmento radicalizado que está aí até hoje.
Ao fim do percurso, iniciado em 2003 e abreviado pelo golpe de 2016, a taxa de escolarização das crianças de 0 e 3 anos passou de 11,7% em 2002 para 30,4% em 2016; de 4 a 5 anos, foi de 56,7% para 90,2% no mesmo período; de 6 a 14 anos, de 95,8% para 99,2%; e de 15 a 17 anos, de 81,5% para 87,2%, de acordo com a PNAD Educação 2019.
E para reiterar essa postura, o presidente Lula lançou, tem poucos dias, o ‘Compromisso Nacional Criança Alfabetizada’, programa com investimento de R$ 3,5 bilhões e cuja prioridade é garantir que os pequenos aprendam a ler a escrever na idade apropriada, desafio ampliado por conta das consequências da covid-19. Outro programa fundamental posto em prática é o “Alimentação Escolar”, que teve R$ 5,5 bilhões em 2023 para aprimorar a qualidade da merenda que chega a 40 milhões de crianças da educação básica pública em 150 mil escolas. Para os ensinos médio e fundamental, que representam mais de 70% dos alunos atendidos, o reajuste foi de 39%. Para a pré-escola e escolas indígenas e quilombolas, o aumento alcançou o patamar de 35%.
Ao contrário de 2022, quando foi prometida – e não cumprida – a conexão das escolas, agora o cenário traz seriedade a uma área sensível: o ‘Escolas Conectadas’ pretende garantir internet de banda larga a 138 mil unidades de educação básica até 2026. Além disso, tem o incentivo para que 1,2 milhão de pessoas possam renegociar dívidas com o financiamento estudantil (FIES) e retornem ao ensino superior; o reajuste de bolsas de pesquisas, o primeiro em uma década, que está beneficiando mais de 258 mil pessoas de norte a sul; e a Política Nacional de Educação Especial, que tem como conceito garantir a educação inclusiva, atenta à diversidade e sem qualquer tipo de segregação.
Sim, a retomada da Educação brasileira novamente deixou de ser mero discurso, mas uma política pública de quem acredita que o pobre tem o direito de estar no orçamento. Fora isso, como dizia Darcy Ribeiro, a crise da Educação não é uma crise, mas um projeto. E como tal precisa ser debelado por todos nós, todos os dias em todos os espaços de atuação e debate.
Foto: Ricardo Stuckert