Artigo – A desvalorização da enfermagem do Brasil tem que acabar já

Por Valdeci Ooiveira

Nas semanas seguintes ao início da pandemia da covid-19 no mundo, com todos tendo de se adaptar a uma realidade vista somente em filmes de ficção, muito se especulou sobre como as sociedades sairiam desse verdadeiro imbróglio a que foram levadas pelo caos sanitário. Fora os cuidados e as preocupações com o controle de futuros surtos e novas moléstias, especulou-se que todos sairíamos diferentes dessa experiência.

Mais empatia e solidariedade com o próximo e atenção aos serviços de saúde, principalmente os públicos, além da consciência de que que vivemos todos em um único planeta, não foram as únicas, mas as principais mudanças que o agir social provavelmente traria incrustado em seu complexo tecido comportamental.

Ainda é cedo para afirmarmos isso, porém sou esperançoso de que esses prognósticos vinguem entre os aspectos que povoarão, daqui para frente, o que se pactuou chamar de novo normal.

Neste sentido, o Brasil chega a ser quase um caso à parte, visto que a nossa experiência no combate ao vírus beirou o surreal, com passagens dignas de constarem em alguma peça de teatro do absurdo. Como diz o ditado popular, há males que vêm para o bem. Mas isso somente se aproveitarmos essa “chance” e não a desperdiçarmos, dividindo-a com as disputas políticas, com falsas carências de recursos e, principalmente, com a ideologia que nega a realidade e transforma tudo em mero espetáculo sobre duas rodas ou falas escatológicas a serem capilarizadas nas redes sociais.

Noves fora, temos a oportunidade, após todo esse aprendizado, de reconhecer o SUS como o grande anteparo em termos de acesso universal à saúde. Enquanto sujeitos sociais, temos a obrigação de exigir dos governantes que vejam a saúde como investimento e não como gasto. E, nesta grande e por vezes complexa seara, existe um segmento que, pelas ironias da vida, nestes mais de ano e meio de dor e medo coletivos, deixou de ser invisível aos nossos olhos, uma categoria profissional que foi e continua sendo cotidianamente posta à prova, exigida de forma sobre-humana e que tem se mostrado essencial. Um segmento que, apesar disso tudo, paradoxalmente, vem, há décadas, sendo olimpicamente ignorado pelos gestores públicos, por quem detém algum mandato parlamentar e também por nós enquanto sociedade que dele tanto se serve e depende.

Falo de um contingente de mais de 2,4 milhões de pessoas – mulheres em sua maioria – que no Brasil integram a maior das categorias que compõem o rol dos profissionais de saúde: as enfermeiras, enfermeiros, técnicos e auxiliares que, todos os dias, colocam em risco a própria vida para salvar a dos outros, mas continuam absolutamente desvalorizados por todo o Brasil.

São mulheres e homens cuja dedicação é brindada, na melhor das hipóteses, com pouco mais de dois salários mínimos mensais como remuneração. A maioria recebe menos que isso, e por jornadas extenuantes. Isso chega a ser imoral.

Na última quarta-feira, 14, lançamos oficialmente na Assembleia Legislativa a Frente Parlamentar em defesa de uma jornada de 30 horas semanais e piso salarial a esses e essas profissionais. E longe de ser meramente uma pauta corporativa, é um reparo imprescindível a ser feito, mas não num futuro próximo. Tem que ser agora.

O atraso na efetivação desses direitos é flagrantemente injusto e imoral. Reconhecer isso é reconhecer não só a importância desses profissionais, mas o nosso direito enquanto sociedade de também ter atendimento e acompanhamento dignos.

A Frente Parlamentar buscará aglutinar ações de convencimento da sociedade gaúcha, dos formadores de opinião, dos senadores, senadoras e deputados e deputadas federais para que o projeto 2564/2020, do senador Fabiano Contarato (Rede/ES), que regulamenta o piso e a jornada da enfermagem, seja votado o quanto antes.

Nesses mais de 15 meses de pandemia, o valor desses profissionais da saúde tornou-se inquestionável. Pessoas de diferentes países, incluindo o Brasil, via redes sociais, passaram a organizar sessões de aplauso coletivo, estenderam panos brancos em suas janelas e varandas, entoaram músicas em homenagem a eles. Mas, no caso brasileiro, a melhor homenagem é conceder-lhes uma remuneração digna e uma jornada de trabalho humanizada.

A Frente Parlamentar é de todos que entendem que saúde de qualidade pressupõe profissionais valorizados. Ela pretende ser um instrumento de apoio a uma luta que vem de 1955, quando a profissão foi regulamentada sem que jornada e remuneração mínima fossem estabelecidos. Tentativas nesse sentido, nas décadas de 1980 e 1990, foram infrutíferas diante da pressão dos grupos econômicos que operam serviços de saúde, o que também ocorre hoje.

E, se de fato aprendemos alguma coisa desde o início do ano passado, está na hora de demonstrarmos isso, unindo esforços para que o merecido reconhecimento venha também na forma de salário e condições de trabalho às enfermeiras, enfermeiros, técnicos e auxiliares.

A saúde de todos nós agradece.

Foto: Divulgação Agência UniCEUB

*Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br