Por Valdeci Oliveira
A exemplo dos trabalhadores da iniciativa privada, que vêm arcando – com a perda em série de direitos – todo o peso das medidas que oficialmente visam a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos no país, aqui, no Rio Grande do Sul, são os funcionários públicos os únicos que estão sendo chamados para dar sua cota de contribuição e sacrifício para, pelo discurso oficial, restabelecer as finanças do estado.
Para justificar seu pacote de medidas administrativas com 117 regras, ainda não claras – como aumento de contribuição previdenciária, cobrança de aposentados, alteração em carreiras, organização sindical, entre outras -, que mexem profundamente na vida de todos, o governador Eduardo Leite afirma que tais mudanças terão um impacto fiscal de R$ 25 bilhões em uma década. Porém, não demonstra como chegou a este valor, não mostra como será esta economia e muito menos prova o déficit atuarial do sistema previdenciário, que, destaco, é contestado pelo próprio Tribunal de Contas.
Em seu discurso para a imprensa, o governador diz não ser mais possível adiar a coragem para fazer tais mudanças. Em primeiro lugar é preciso definir o sentido da palavra coragem. Os principais dicionários da língua portuguesa nos apontam que coragem é moral forte perante o perigo, os riscos; é bravura, intrepidez e firmeza de espírito para enfrentar situação emocional ou moralmente difícil.
Sendo assim, fica difícil sustentar que o governo está sendo corajoso ao atacar professores, brigadianos, policiais civis, agentes penitenciários, oficiais escreventes e os demais servidores gaúchos. Eu diria até que, além de não estar sendo corajoso, o governador Eduardo Leite está praticando um ato de covardia explícita.
Não tenho dúvida. O governo Eduardo Leite está sendo covarde ao eleger pais e mães de família como os responsáveis por um crise que é estrutural e histórica. É importante que a população tenha claro que 72% dos servidores ganha até quatro mil reais líquidos por mês, o que está muito longe de ser considerado um alto salário.
Coragem teria o governador se empreendesse todos os recursos administrativos e políticos ao seu alcance para combater os verdadeiros privilégios e privilegiados. Em incentivos fiscais, ou seja, aquilo que o estado abre mão em impostos em benefício privado, o Rio Grande do Sul concedeu mais de 85 bilhões de reais nos últimos 16 anos. Somente no ano passado, esse valor ficou próximo aos 10 bilhões de reais.
Sim, muitos deles são resultado de decisões federais e visam estimular a economia. O problema é que não sabe até hoje, por conta de um acompanhamento inexistente do próprio estado, quais benefícios trouxeram para a população. Já a estimativa atualizada de quanto o RS havia perdido com a sonegação de ICMS ultrapassava a marca dos R$ 7 bi, segundo o Sindicato dos Técnicos do Tesouro do Estado.
Coragem teria o governador se este estipulasse um plano de ação que buscasse reduzir significativamente o fosse existente entre os menores e maiores salários pagos entre as várias categorias de servidores. Coragem teria o governador se, neste quase um ano à frente do executivo estadual, tivesse apresentado uma proposta de desenvolvimento para o Rio Grande do Sul que levasse em conta as diferentes matrizes econômicas aqui existentes.
Com uma base de sustentação que lhe dá maioria de votos no parlamento gaúcho, a coragem do governador se resume em escolher o caminho mais fácil, que é precarizar os serviços públicos e ceifar direitos do conjunto de seus servidores que, com exceção da Segurança Pública, estão há cinco anos sem nenhum reajuste, nem mesmo a reposição inflacionária, o que representa uma perda de mais de 30% no valor da remuneração.
Essa crise não nos é estranha. Fui líder do governo Tarso Genro no parlamento estadual numa época também de muita dificuldade. Mas governar é fazer opções. E a nossa foi estar ao lado de quem trabalha, ao lado da população. Na época, priorizamos a valorização das funções públicas do Estado, chamamos os aprovados em concursos e fortalecemos as categorias, pois entendemos que não existirá saúde, educação e segurança de qualidade sem um serviço público de qualidade, respeitando quem trabalha, dialogando sempre e assegurando transparência e democracia. Infelizmente, o atual momento é de um retrocesso absurdo.
Na prática, o que temos e vemos é um governo que defende os interesses daqueles que já têm muito e não da maioria da população gaúcha. Definitivamente, isso não é coragem. Isso é reproduzir o que o Bolsonaro faz contra os trabalhadores em nível nacional. E essa demonstração inequívoca de covardia e de perseguição contra os pequenos será enfrentada com vigor pelas bancadas de oposição na Assembleia Legislativa. Que o governo não cante vitória antes da hora. O enfrentamento político e social será à altura do nível de agressão preparado contra àqueles que, direta ou indiretamente, zelam pela vida de todos os gaúchos e gaúchas.
Foto: Luiza Castro/Sul21