Por Valdeci Oliveira –
Tem certos momentos na vida em que por mais que queiramos não temos como fugir dos assuntos indigestos. E, infelizmente, estamos vivendo uma dessas situações, em que muitos veem como a tempestade perfeita, uma conjuntura que reúne ingredientes e sujeitos que parecem ter sido feitos um para o outro e com resultados nada promissores. O problema, neste caso, é que os atos e decisões de tais atores refletem pesada e diretamente, de forma negativa, sobre a vida de todos e todas.
Falo sobre este início de 2021 em que as autoridades sanitárias do mundo inteiro apontam um recrudescimento da pandemia que continua a tirar vidas e apagar sonhos. Mas paradoxalmente à gravidade da realidade, tais autoridades continuam se comportando como se não soubessem nada a respeito do ‘modus operandi’ do agora não tão novo coronavírus, como se nada tivessem aprendido, como se os dados e números fossem apenas isso, dados e números e não milhares de mulheres e homens, de famílias.
Mesmo aqueles que no início desse calvário disseram se guiar pela ciência, aos poucos foram cedendo às pressões e mudando de opinião. Um exemplo que não deixa dúvidas acerca desta triste constatação está bem próximo de nós. Não foram poucas as vezes em que o governador Eduardo Leite, a partir de março do ano passado, se colocou em franca contraposição ao negacionismo e irresponsabilidade do governo central. Muitas foram as coletivas de imprensa em que o chefe do executivo estadual externou seu reconhecimento do caos sanitário que estávamos enfrentando, do perigo que seria minimizar a força do vírus, de que as medidas de isolamento e distanciamento social eram os únicos “remédios” para enfrentar esse inimigo invisível. Mas, no decorrer desses quase doze meses, muitas dessas convicções foram ficando pelo caminho, abrandadas ou substituídas por uma retórica gêmea que encontra paralelo àquela que ainda avalia se tratar de uma gripezinha.
O fato é que o retrato que hoje temos diante dos nossos olhos nos mostra que as decisões tomadas pelo governador Leite foram incapazes de resguardar nossa população. O chamado Plano de Distanciamento Controlado se revelou canhestro. Tivesse o governador pulso firme e realmente optado pela defesa da vida dos gaúchos e gaúchas, ele não sucumbiria aos `apelos’ de alguns setores e voltado atrás de várias de suas decisões, como o abrandamento das regras das suas bandeirinhas coloridas ou até mesmo das avaliações que colocavam algumas regiões em estado de grave perigo.
Tivesse o governador um compromisso verdadeiro com os mais vulneráveis já teria instituído aqui no RS uma política de renda emergencial, como ele próprio chegou a afirmar em junho passado. Tal medida, agora, com o término da ajuda federal, se faz ainda mais necessária e urgente. Para muitos, é ela quem irá ditar a diferença entre ter ou não o que comer. Entre garantir a subsistência a quem mais precisa ou jogar estes mesmos à própria sorte, nos braços do vírus quando em busca da sobrevivência.
Tivesse o governador uma postura de liderança, de gestor responsável para com o povo, ele próprio teria seguido o exemplo do seu colega de partido, João Dória, de São Paulo, e ido atrás de um acordo para o fornecimento de vacinas, talvez até buscado construir um consórcio com as prefeituras gaúchas ou entre os estados do Sul. Mesmo considerando que a atitude do tucano paulista tenha sido mais político-eleitoral, ela forçou o presidente Jair Bolsonaro a sair da inércia completa. Está mais do que provado que somente com a imunização da população teremos condições de trabalhar firmemente pela retomada econômica, com segurança, pela geração de trabalho e renda, pela busca do retorno à normalidade.
A essa tempestade perfeita somam-se as incompetências de Bolsonaro e do seu general-ministro da Saúde, que sequer conseguem comprar seringas e agulhas, que boicotam qualquer medida sanitária de controle, que promovem o uso de medicamentos sem eficácia, duvidam da necessidade do uso de máscaras e estimulam as aglomerações de pessoas. E para deixar o palco ainda mais perigoso, as festas de finais de ano nos mostraram que parcela significativa da população parece ter abraçado a causa da inconsequência, como se o vírus fosse apenas mais um membro da turma ou da família.
Mas a cereja nesse bolo de cor de sangue foi novamente colocada pelo próprio presidente na semana que passou, ao proferir a frase ‘não consigo fazer nada’. Ora, se o chefe da Nação vai a público e admite ser incapaz de lidar com o estrago que ele próprio ajudou a produzir, a direção da porta parece ser o melhor caminho. Reconhecer a fraqueza e pedir para sair seria o ideal e seria bem menos vexatório do que permitir que a “sangria” imposta ao país continue por mais meses ou anos. Peça para sair agora, presidente, e ganharás um lugar na história mais honroso do que aquele que está reservado a sua figura a partir de 2023.
(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)