Dia desses, eu li que o livro é a água que mata nossa sede de conhecimentos e que não importa o conteúdo, o importante é ler. Podemos até discordar, em maior ou menor grau, dessas assertivas. Mas não há como negar que o livro – ou de forma mais ampla, a leitura em si – é, e sempre será, um companheiro para toda e qualquer hora. Nos livros – ou na leitura – encontramos de tudo, o importante é saber procurar – e, mais ainda, encontrar. E quando encontramos, a satisfação é garantida e isso irá refletir na nossa maneira de pensar, de ver o mundo, de nos enxergarmos como sujeitos da transformação – nossa e da realidade que nos cerca.
Faço essa breve introdução apenas para poder saudar com mais ênfase a realização de mais uma Feira do Livro de Santa Maria. Esse evento, do qual sou um admirador confesso e um frequentador assíduo, na medida do possível, começa nesta sexta-feira (26) e se estende por 16 dias. Na minha opinião, o período da Feira é um dos melhores períodos do ano no coração do Rio Grande do Sul. A partir do encanto produzido pela qualidade das obras elaboradas por diferentes autores e autoras, a cidade pulsa, as pessoas efetivamente se encontram e dialogam, a cultura é pulverizada e o intercâmbio de conhecimentos, sentimentos e emoções é concreto e plural. E isso tudo se passa na praça central, ou seja, é acessível a todos e todas, independentemente de classe ou status social.
Neste ano, como de praxe, não faltarão atrações para fazer o santa-mariense e quem vem de fora se dirigirem até a Saldanha Marinho sob qualquer tempo: haverá lançamento e sessão de autógrafos de mais de 100 obras, participação de 250 escritores e venda de livros em 40 barracas. Nomes de peso da literatura, da cultura e da música local, do Rio Grande e do país marcarão presença lá. Entre eles, Orlando Fonseca, Pedro Brum Santos (professor homenageado), Maurício Corrêa Leite (patrono da Feira 2019), Deborah Rosa, Eliane Brum, Marina Colasanti, Raphael Montes, Atena Roveda, Margarida Botelha, Antonio Skármeta, entre outros.
ARTIGO. Valdeci Oliveira, Feira do Livro e a muito especial lembrança sobre Humberto Gabbi Zanatta – valdeci-artigo-zanattaMas como se não bastasse a variedade de atrações que a programação da Feira nos oferece todos os anos, o evento de 2019 carrega consigo um simbolismo ainda maior: o escritor homenageado desse ano é ninguém menos que Humberto Gabbi Zanatta (foto ao lado). O nome dispensa comentários, mas o Zanatta é “apenas” o autor de mais de 20 livros publicados, é o compositor de canções clássicas como Tropa de Osso, Minuano e Não Podemos Se Entregá Pros Home, é autor de vários títulos na literatura infantil e, enquanto viveu, até o dia 28 de dezembro do ano passado, foi um pouco da alma e do espírito da Feira santa-mariense.
Tive a felicidade de conviver muito com o Zanatta. Ele foi secretário da Cultura na minha gestão como prefeito e, nesse posto, mesmo com todas as dificuldades e burocracias que o cargo e o setor público oferecem, nos ajudou a criar e a estabelecer políticas para a difusão e a descentralização da cultura na cidade. O Zanatta ainda, jamais me esquecerei disso, com a generosidade que lhe era peculiar, também foi um grande incentivador e orientador para que eu realizasse o sonho de lançar um livro de poemas na Feira do Livro de Santa Maria de 2006. Talvez para muitas pessoas lançar um livro, por mais simples que seja, é um acontecimento trivial. Para mim, no entanto, um apaixonado confesso por poemas e alguém que, na infância e na juventude, teve poucas oportunidades e condições financeiras para estudar e ter acesso a livros, aquilo foi marcante. Foi quase tão especial quanto ter virado um homem público, um prefeito, um deputado.
Assim como me ajudou e me encorajou a transformar um punhado de versos em livros, o Zanatta ajudou muita gente com potencial a acreditar e a se engajar na produção de livros, na música e na arte. Isso não tem preço dentro de um território que não só desvaloriza como, hoje, até chega a discriminar quem milita nesse setor tão especial e tão maltratado. O fato inegável é que Santa Maria, o Rio Grande e o Brasil precisam de mais e mais agitadores culturais como o Zanatta. O Zanatta nos deixou há quatro meses, mas a Feira do Livro de Santa Maria terá vida longa para sempre recuperar e atualizar a caminhada desse e de muitos outras poetas e poetisas que incansavelmente atuam em defesa de uma sociedade repleta de livros, de cultura e de inclusão.