Marthin Luther King afirmou, ainda na década de 60, que sonhava em um dia ver as pessoas sendo julgadas por sua personalidade e não pela cor da sua pele. Cinco décadas se passaram depois do simbólico discurso “I have a dream” – feito durante a Marcha sobre Washington – e o sonho desse ativista, que foi assassinado nos Estados Unidos após liderar o movimento pelos direitos civis dos negros, continua sendo um sonho.
Sou obrigado a reconhecer isso ao notar a aproximação e a trivialização de demonstrações de racismo e de preconceito. Em pleno ano de 2014, em pleno Rio Grande do Sul, em plena Região Central do Estado, poucos dias atrás, um vereador negro de São Vicente do Sul, o companheiro Joel Marques, foi vítima de ofensas de cunho racista dentro do próprio Parlamento Municipal, no momento que destacava a relevância do Dia Nacional da Consciência Negra. E o mais grave: a injúria partiu de um colega de vereança.
Quando nos deparamos com um fato como esse, que transcorreu em meio a uma sessão plenária pública e cujo áudio está gravado integralmente, o primeiro sentimento é o de desolação e de impotência. Se numa Câmara de Vereadores, que é o palco da democracia, o racismo se manifesta de forma tão explícita, é de se imaginar o que pode acontecer em outros locais onde a pluralidade de opiniões é mais restrita.
Porém, o sentimento não deve ser de resignação. O sentimento deve ser de reação e de ação contra a discriminação. Corretamente, a própria vítima do caso denunciou o fato ao Ministério Público e a Polícia Civil e cobrará a devida reparação a ele e a sua família, tendo em vista que a sua esposa e a sua filha também foram atingidas pelas ofensas. Nós, na condição de vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, relatamos a vergonhosa ocorrência ao Parlamento. O repúdio dos deputados foi geral e a Assembleia encaminhará uma moção de solidariedade ao vereador Joel.
No entanto, tão relevante quanto nos determos neste caso peculiar, é observar que, ao contrário do que alguns setores entendem, o tema do preconceito é, de fato, um problema concreto no Brasil e no Rio Grande. Ainda não chegamos ao ponto de, como acontece na Europa, vaiarmos jogadores negros em estádios de futebol pelo simples fato de estarem ali, vivos e competindo como qualquer outra pessoa. Porém, o racismo ainda está enraizado no país e, por vezes, emerge de modo abrupto. Isto precisa ser combatido. Combatido no campo das ideias e pela via da não-violência, como bem ensinou Luther King.
Por isso, fica o nosso repúdio ao que se passou na Câmara de São Vicente do Sul e o nosso total apoio à ampliação do debate acerca da promoção da igualdade racial e ao aprimoramento das políticas públicas afirmativas. O mesmo mundo que no passado dedicou vidas para barrar o nazismo, o fascismo e o apartheid tem o dever hoje de continuar lutando para que essas ameaças à igualdade jamais tenham condições de buscar novamente a hegemonia e o reconhecimento social. Aqueles que classificam isso como um tema menor devem procurar saber, com detalhes, o que o vereador Joel, eleito pelo povo, escutou no próprio local onde trabalha, no dia 25 de novembro de 2013.
*Artigo do deputado Valdeci Oliveira publicado no Jornal A Razão em 05/12/2013