Por Valdeci Oliveira –
A dinâmica da vida nos dá lições que mostram que lutar vale a pena. Na mesma semana em que o Brasil foi duramente atacado em sua soberania pelo atual governo dos Estados Unidos, incitado por forças políticas que atuam em solo nacional, o país mostrou que, além da unidade em defesa das nossas instituições, é exemplo no combate a uma das maiores chagas da civilização atual: a fome, que junto traz a injustiça e a condenação. Não obra do acaso ou falta de sorte, ela é resultado das nossas escolhas enquanto sociedade, enquanto governos.
Ao aplicar contra nós um conjunto de sanções a partir de um leque de justificativas abaixo da razão e bom senso, demos em troca uma mostra de que o Brasil não deve ser subestimado, mas respeitado, o que talvez justifique a ‘preocupação’ dos nossos algozes. A conquista histórica para o Brasil veio do anúncio de que fomos oficialmente retirados do Mapa da Fome pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).
O comunicado foi feito no dia 28 de julho, na 2ª Cúpula de Sistemas Alimentares da ONU realizada em Adis Abeba, na Etiópia. Entram para a ‘lista da vergonha’, como chamo, os países com mais de 2,5% de sua população em condição de subnutrição ou com acesso insuficiente a alimentos, o que é menos do que simplesmente sobreviver. E quando falamos do Brasil, um país continental, mesmo com esse ‘mínimo’ estamos nos referindo a mais de 5 milhões de seres humanos, o que é inaceitável em qualquer conjuntura.
Este reconhecimento feito pelo principal organismo multilateral voltado à alimentação no mundo mostra que estamos no caminho certo e que temos a obrigação de avançar, pois apenas sobreviver é muito pouco em relação a tudo o que a vida tem a nos oferecer e diante do que civilizadamente se convencionou chamar de direitos básicos.
E para evitar que ‘descrentes’ se amparem no costumeiro negacionismo, a classificação da ONU é baseada a partir de médias observadas a cada triênio, o que evita distorções pontuais, como crises econômicas, climáticas ou pandêmicas. O levantamento mostra que o ápice foi em 2022, com altos índices de fome e pobreza extrema no território nacional.
No caso específico da pandemia, seus efeitos se agravaram porque houve, antes e depois dela, a descontinuidade de diversas políticas públicas de combate da insegurança alimentar, principalmente de 2016 em diante, com a política de austeridade fiscal e corte de investimentos públicos implementada pelo governo federal na ocasião, cenário consolidado em 2022 e que resultou em retorno do país ao Mapa da Fome.
Sem dúvida alguma o resultado atual só foi possível porque possuímos o que se pode chamar de ‘expertise’. Na primeira vez que saímos desse vergonhoso ranking foi em 2014, após uma década de intensa política de distribuição de renda, assistência social, incluindo o Bolsa Família. Desta vez foi em pouco mais de dois anos. A reversão atual foi antecipada em mais de um ano, uma vez que a meta inicialmente prevista pelo governo, diante do cenário de ‘terra arrasada’ recebido, era chegar a esse resultado em 2026.
Segundo especialistas em políticas públicas e de nutrição, o resultado – a exemplo de 2014 – veio após a retomada da aplicação de um conjunto articulado de ações e decisões estratégicas que incluem desde programas de transferência de renda, alimentação escolar, expansão da cozinhas solidárias e bancos de alimentos, políticas de emprego, empreendedorismo, crescimento da renda dos mais pobres e valorização do salário mínimo, entre outras.
E isso prova que o estado, enquanto formulador de medidas estruturantes, de geração de renda e redução das desigualdades, pode combater a fome e a insegurança alimentar com sucesso. Mas, como vemos, para isso é preciso também vontade política.
O que assegurou o reconhecimento pelo FAO/ONU foi o país ter conseguido retirar algo em torno de 24 milhões de pessoas da insegurança alimentar grave até o final de 2023 e ter, no mesmo período, reduzido a pobreza extrema para 4,4%, um mínimo histórico, tirando quase 10 milhões de pessoas dessa condição em relação a 2021.
E a depender de mim, como cidadão e sujeito político, partícipe e defensor dessa causa, continuarei, no Parlamento estadual, trabalhando e articulando junto ao Movimento Rio Grande Contra a Fome, espécie de força-tarefa criada por nós em 2022, quando presidimos a Assembleia Legislativa, para atuar em ações contra a insegurança alimentar no RS.
E felizmente, nessa empreitada, que espero um dia ver desnecessária, não estou sozinho, pois, além do todos os poderes estaduais que integram o colegiado – Parlamento, Tribunal de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública, Tribunal de Contas e governo do estado -, o apoio e participação também vem de rostos anônimos, de pequenas doações, vem de entidades e organizações da sociedade civil que entendem que quem tem fome tem pressa. E, mais do que isso, que o acesso a alimento é um direito inalienável.