Artigo – Um plano que ataca privilégios e favorece o pobre e a classe média

Por Valdeci Oliveira –

Se alguém apostava que o presidente Lula jogaria sobre os mais pobres e a classe média todo o ônus para que sejam cumpridas as regras do chamado arcabouço fiscal, caiu do cavalo. Esses dois estratos sociais, que formam a grande maioria da sociedade brasileira, não apenas tiveram garantidos seus direitos como serão contemplados com significativa e inédita isenção no imposto de renda.

A título de lembrança, o arcabouço fiscal, que são as regras de controle dos gastos do governo a serem seguidas pelo Poder Executivo, foi aprovado pelo Congresso Nacional no ano passado em substituição ao chamado teto de gastos, implementado pela administração de Michel Temer e que congelava por duas décadas todos os investimentos públicos, incluindo aqueles voltados à saúde e à educação. Ou seja, tirava dinheiro do social e poupava privilégios dos mais ricos.

O anúncio feito pelo ministro da Fazenda Fernando Haddad na quarta-feira, 28, em pronunciamento nacional, deixou claro que, ao contrário de outros governos, que impuseram à sociedade brasileira duas Reformas de perfil draconiano – a Trabalhista e a da Previdência -, desta vez a conta será para quem realmente tem condições de pagar.

Intitulada por Haddad como “a maior reforma da renda de nossa história”, trabalhadores que recebem até R$ 5 mil mensais terão isenção total de imposto de renda, o salário mínimo continuará com a política de aumento real e beneficiários do BPC (idosos pobres com mais de 65 anos e pessoas com deficiência inaptas para trabalhar) continuarão a receber o auxílio. Neste segmento, o que terá é um maior controle sobre as concessões, recadastramento e fiscalização mais rígida para que os recursos fiquem com quem realmente precisa.

Por outro lado, quem ganha acima de R$ 50 mil mensais pagará um imposto um pouco maior do que paga hoje. Como destacou o ministro, “tudo sem excessos e respeitando padrões internacionais consagrados”. É sempre bom lembrar, para efeito comparativo, que durante os quatro anos do governo passado a tabela do Imposto de Renda não recebeu reajuste sequer da inflação. Na gestão do presidente Lula, desde o ano passado são isentos quem ganha até R$ 2,4 mil. Até mesmo os detratores, mesmo que à boca pequena, reconhecem que se trata de justiça tributária.

Ainda fazem parte do pacote, entre outros pontos, a regulamentação da lei que proíbe os chamados supersalários no serviço público; mudança nas regras da aposentadoria dos militares (que passará a ser concedida apenas para quem tem mais 55 anos), extingue a pensão de quem for expulso da Força por conta do cometimento de crimes e limita a transferência de pensões. Também entra no rol das propostas as emendas parlamentares, cujo valor total não poderá ultrapassar 2,5% acima da inflação e, se oriundas de comissões, 50% deverão obrigatoriamente ser destinadas à saúde pública, para fortalecer o SUS.

Mas tudo isso somente valerá se os deputados e senadores aprovarem as medidas, que serão encaminhadas pelo governo ao Congresso, o mesmo que semanas atrás foi contra a criação de imposto para fortunas acima de R$ 10 milhões e se recusa a acabar com programas de subsídios e benefícios fiscais a empresas privadas, que tiram dos cofres públicos mais de R$ 615 bi por ano (mais do que o dobro de programas fundamentais para quem é socialmente vulnerável, como Bolsa Família e BPC).

Com a proposta apresentada pelo ministro Haddad, o governo irá poupar mais de R$ 70 bilhões em despesas nos próximos dois anos. Se a conta for de 2025 a 2030, os números alcançam R$ 327 bilhões. Não é pouca coisa, principalmente porque são postas para frear o aumento das despesas obrigatórias e garantir a sustentabilidade fiscal brasileira.

O mesmo mercado que começou a torcer o nariz antes mesmo do anúncio das propostas, defendia cortes pesados em políticas destinadas aos mais pobres, sobre direitos e assistência social, acabando com o seguro-desemprego e com o reajuste real do salário mínimo, desvinculando-o da Previdência e tirando a obrigatoriedade de investimentos mínimos em saúde e educação. Tanto que a maior crítica foi justamente sobre a isenção de quem ganha menos e do aumento de alíquota para quem ganha mais (muito mais). E não é coincidência que também se posicionem contra o fim da jornada de trabalho 6×1.

Ou seja, saíram em defesa dos cerca de 100 mil brasileiros que ganham mais de R$ 1 milhão por ano, de investidores financeiros que não pagam imposto sobre suas aplicações, dos donos das altas rendas oriundas de lucros e dividendos fabulosos que não recolhem um real sequer por seus ganhos milionários e das castas privilegiadas no serviço público.

O presidente Lula buscou a direção oposta, que é a da justiça tributária, da inclusão do povo no orçamento público, da responsabilidade fiscal sem arrocho e do cumprimento daquilo que propôs durante a campanha eleitoral. E é desse lado que cerro fileiras, é do lado da maioria da população que me somo enquanto sujeito político.

Foto: Ricardo Stuckert/PR