Por Valdeci Oliveira –
Ainda termos no Brasil cerca de 14 milhões de irmãos e irmãs vivendo com algum grau de fome é assustador e preocupante. Por outro lado, segundo comunicado divulgado na última quarta-feira, 24 de julho, feito pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa Mundial de Alimentos (WFP na sigla em inglês) e Organização Mundial da Saúde (OMS), a insegurança alimentar severa – que é quando a pessoa não tem amplo acesso a alimentos e fica pelo menos um dia inteiro sem ter o que comer – caiu 85% no país no ano passado. Se comparada com 2022, quando a situação atingia 17,2 milhões de pessoas, agora, depois de um ano de forte reconstrução das políticas públicas, o número foi reduzido para 2,5 milhões. Em números absolutos, 14,7 milhões de homens e mulheres deixaram de passar fome no país.
De forma mais ampla, o levantamento nos mostra que 1 em cada 11 pessoas em todo o mundo passou pela mesma situação em 2023, o que dá a imensidão de 733 milhões de pessoas no total.
O que chama atenção – ou pelo menos deveria – é que nem por isso os mercados financeiros no Brasil e ao redor do planeta, sempre tão críticos a governos quando estes resolvem investir no campo social, entraram em colapso e as bolsas de valores também não fecharam no vermelho. Bancos não entraram em bancarrota e fortunas continuaram a ser criadas. Olhando por esta ótica, ter esse volume gigantesco de pessoas sem acesso à comida ultrapassou as fronteiras do assustador e preocupante, residindo, isto sim, no campo da hipocrisia, da criminalidade, da insensatez.
Por outro lado, os gastos militares no mundo no ano passado chegaram à impressionante cifra de 2,4 trilhões de dólares, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri). Outro dado interessante: da mesma forma que o exército de famintos se eleva, o patrimônio líquido combinado das 500 pessoas mais ricas do planeta cresceu US$ 1,5 trilhão em 2023. A cada comparação fica mais difícil de entender e mais ainda de aceitar. Trata-se da riqueza de poucos construída sobre a exclusão de muitos.
Porém, dentro desse filme de horror, cujo roteiro e direção são capitaneados pelas regras do mundo globalizado e o restante do espaço ocupado por milhões de meros coadjuvantes que já nasceram à margem e nela continuarão por gerações, parece haver uma luz no fim dessa triste película. No caso brasileiro, acreditar que é possível atacar de frente essa chaga ao distribuir renda por meio de programas e benefícios sociais às camadas da população mais vulnerável. Foi assim com a implementação do Bolsa Família, na primeira década dos anos 2000, que tirou o Brasil do Mapa da Fome da ONU. Deixamos essa vergonha para trás de forma concreta em 2014, posição sustentada até 2018, quando começamos a dar os primeiros sinais de retrocesso. Já entre os anos de 2019 até 2022, voltamos com os “dois pés” ao antigo patamar dos milhões de estômagos vazios, fruto de uma política econômica ultraliberal voltada exclusivamente para atender aos interesses do capital. Numa linguagem simples e direta, para o bem do dinheiro e dos seus donos.
Precisou o metalúrgico, o mesmo que duas décadas atrás dera início ao processo de busca da erradicação (ainda não alcançado) da fome, voltar a presidir o país para que um caminho inverso novamente fosse trilhado.
Como bem disse o presidente Lula, em seu discurso no encontro do G-20, cúpula das 19 maiores economias do mundo mais União Europeia e União Africana realizada no Rio de janeiro, no mesmo dia da divulgação do relatório da ONU sobre a insegurança alimentar global, a fome não resulta apenas de fatores externos, mas, principalmente, de escolhas políticas. Não é segredo para ninguém que hoje o mundo produz alimentos mais do que suficientes para erradicá-la. O que falta é criar condições de acesso a eles. Talvez por isso o presidente tenha sido aplaudido de pé ao final de sua fala, da mesma forma que quando adentrou no recinto onde foi realizada a abertura do encontro. Por ter passado por essa triste experiência na infância e ter provado que é possível atacá-la de frente, Lula propôs que os países do G-20 adotem políticas fiscais mais progressivas, onde os super-ricos contribuam com uma parcela maior de seus rendimentos para financiar programas de combate à fome e à miséria. Proposta, aliás, bem aceita pelos presentes.
Assim como o presidente Lula, sou um entusiasta dessa medida. E enquanto parlamentar, buscarei convencer as demais esferas de Poder do estado de que esta é a melhor e mais assertiva alternativa. Além de que, o debate precisa ser feito em todas as instâncias da sociedade e que as diferentes vozes que a integram precisam ser ouvidas e chamadas a opinar.
Quem tem fome, tem pressa.
Foto Pablo Porciuncula AFP