A irresponsabilidade ambiental custa muito caro ao Rio Grande

Por Valdeci Oliveira –

Dia desses li um artigo intitulado ‘Não é hora de procurar culpados. Dizem os culpados’. Me chamou a atenção as afirmativas ali contidas. Realmente, nos primeiros momentos diante de uma tragédia, apontar o dedo para este ou aquele não é a melhor ação. Precisamos, sim, unir esforços e salvar vidas. Da mesma forma, gestores públicos se agarram à primeira premissa e procuram desviar o debate. E não tendo como evitá-lo, como foi o caso do governador Eduardo Leite em entrevista ao Programa Roda Viva, da TV Cultura de São Paulo, justificam o injustificável, falseando termos ou se afastando destes com um ‘não tínhamos como prever’.

Na ocasião da tragédia gaúcha, o governador entrou em seu sexto ano à frente da administração do RS, período em que, com a caneta na mão, contou com uma ampla base de apoio na Assembleia Legislativa para aprovar seus projetos. E uma dessas matérias, esta defendida com unhas e dentes no início do seu primeiro mandato, foi justificada como fundamental para a competitividade do estado nas atividades econômicas que dialogam diretamente com o meio ambiente – seja em relação ao seu uso, impactos, etc.

Hoje alvo do Ministério Público junto ao TCU, do STF e de 9 em cada 10 críticas quando o assunto envolve os motivos dessa grande desgraça, Eduardo Leite fez nada menos que 480 alterações num código ambiental até então tido como exemplo, fruto de um longo debate travado por quase uma década e que contou com a participação de amplos setores da sociedade civil.

Apesar de dizer a todo momento que não é um negacionista das mudanças climáticas, em 75 dias, o governador teve sua vontade atendida com os votos de sua base aliada, apesar dos reiterados apelos da oposição e de especialistas de que isso seria um tiro no pé. Fazendo ‘ouvidos de mercador’, o governo usou de expedientes regimentais e evitou que a matéria passasse pelo crivo da Comissão de Saúde e Meio Ambiente do Parlamento, da qual faço parte.

A nós da oposição coube denunciar e tentar convencer nossos pares de que aquilo era absurdo diante do já provado aquecimento global. Enquanto Partido dos Trabalhadores, junto com outros colegas de oposição, lutamos como nunca e perdemos como era previsto, pois numa democracia leva quem tem mais voto. Somos a maior bancada, mas só 11 de um total de 55.

Foram tantas as alterações que precisaria de muito texto para aqui elencá-las. Mas algumas demonstram o caráter geral da infâmia: os mecanismos financeiros ao estímulo à preservação, incluindo a realização de pesquisas, foram subtraídos e os que versavam sobre proteção de áreas lindeiras às consideradas de conservação foram patrolados. E uma ‘novidade’ é chocante: o interessado em empreender o seu negócio poderia fazê-lo com uma simples declaração, dada por si mesmo.

E ouvir durante a entrevista, além da reiterada terceirização de responsabilidades, que ele, Eduardo Leite (que já havia afirmado não ‘ser o homem do tempo’), respeita às questões ambientais só doeu menos do que ver pessoas sobre telhados a espera de resgate, saindo por janela ou caminhando em águas putrefatas pelo esgoto.

Mas como também se diz, não se pode desistir diante de derrotas, mesmo as grandes. A partir de uma proposta do PT e do PCdoB, a Assembleia Legislativa aprovou na última terça, 21 de maio, dentro do programa de reconstrução do RS, a criação do Funrigs, fundo que reunirá recursos do estado, do governo federal e de doações de instituições públicas e privadas, incluindo os R$ 11 Bi da suspensão da dívida com a União decidida pelo presidente Lula e os mais de R$ 5 BI garantidos pela ex-presidente Dilma Rousseff através do Banco dos Brics (que ela preside).

Mas é preciso que a sociedade acompanhe a execução dos recursos, que devem ser utilizados na recuperação de estradas, hospitais, escolas, centros de assistências social, moradias, no financiamento de micro e pequenas empresas, meio ambiente e mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Porém, a responsabilização diante de um cenário de guerra é fundamental, não apenas porque as vítimas assim merecem, mas também para que não se repita. O que passamos e ainda estamos a passar não é ‘café pequeno’. No Congresso, tramitam hoje 28 matérias – apresentados por bancadas de direita ou extrema-direita – que, entre outros absurdos, buscam a eliminação da proteção de campos nativos, redução da reserva legal na Amazônia, anistia para desmatadores e liberação da exploração mineral em unidades de conservação.

Como disse o presidente Lula, que não vem medindo esforços para ajudar o estado, é mais barato prevenir do que cobrir o prejuízo de uma catástrofe, seja em vidas ou em recursos financeiros.
O meio ambiente – e a vida – merece respeito, zelo e políticas públicas. O desmonte gradual e acentuado do sistema de proteção ambiental do RS é caso de polícia, é caso de investigação. Ainda bem que o Supremo Tribunal Federal já notificou o governo de plantão a prestar explicações sobre o que fez. Não dá passar pano. Não dá para fingir que tudo aconteceu porque somos “azarados”.

 

Foto: Ricardo Stuckert/PR