Por Valdeci Oliveira –
Diz-se que a receita básica para se resolver um problema começa com a pessoa reconhecendo a existência do imbróglio, encarando-o de frente e, se governo, chamando os envolvidos – no caso, setores – para construir e aplicar medidas que debelem o entrevero. No caso do RS, pelo menos desde o início do ano, essa receita tem sido aplicada pelo governo do presidente Lula para dar respostas às crises que têm se instalado em nosso território.
Foi assim em fevereiro, em relação à estiagem, com a vinda de uma comitiva composta por gestores e assessorias de diferentes ministérios – com respectiva destinação e alocação de recursos; e da mesma forma, semanas atrás, após a passagem de mais um ciclone extratropical, que trouxe junto chuvas inclementes, mortes e destruição.
Costumo dizer que, enquanto governo, não está sendo feito nada além da obrigação. Porém, ao se analisar de forma pretérita casos semelhantes, entendemos que tal postura soa como um ponto fora da curva, pois não estávamos mais acostumados a sermos vistos como um ente federativo com direitos e necessidades, mesmo que urgentes e pontuais.
Desta vez, o problema enfrentado diz respeito a algo que muito tem a ver com uma das vocações econômicas do RS: a cadeia produtiva leiteira, a qual é majoritariamente composta pela agricultura familiar. Na última terça-feira (18), o Diário Oficial da União trouxe decreto do presidente Lula concedendo benefício tributário para a indústria brasileira do segmento.
De forma legítima, cooperativas e produtores gaúchos vinham solicitando ao governo mais pressa na publicação da medida, que se explicava por conta dos baixos preços do produto no mercado interno. Pelas novas regras, as indústrias que adquirirem o leite brasileiro para beneficiamento terão direito a compensação de 50% dos créditos concedidos. As que continuarem trazendo o produto de fora, passarão ao chamado regime tributário regular, sem benefício fiscal e fazendo com que a compensação se resume a somente 20% dos créditos.
Mais do que uma ação de socorro aos produtores afetados pelos baixos valores que recebem e pelo aumento nas importações, o decreto é um exemplo de política pública que busca a recomposição de uma outrora competitividade experimentada.
Ao incentivar a indústria láctea nacional a adquirir a matéria prima produzida por nossa gente, cria-se a possibilidade de garantir um repasse de preço melhor a quem realmente é o responsável, o produtor. Além disso, será ampliada e fortalecida a compra pública de leite em pó pela Conab, direcionando-a para distribuição por meio dos programas de assistência social.
Para além das medidas acertadas diante da crise com que os produtores vêm convivendo há muito tempo, um olhar mais atento ao setor era necessário, pois praticamente vinha sendo ignorado na vida real, com as compras de leite e derivados produzidos por nossos vizinhos do Mercosul crescendo 300% em 2022. E pelas regras da “mão invisível do mercado”, o fato trouxe junto uma vertiginosa queda no valor do produto brasileiro, fazendo com que por aqui ele ficasse entre R$ 1,40 a R$ 2,00 por litro, o que sequer era suficiente para cobrir os custos.
Na verdade, o desleixo e a visão míope de alguns governos, mesmo que legitimamente eleitos e com discursos ecoando a defesa da pauta leiteira gaúcha e nacional, fizeram com que a situação escalasse muitos degraus nos últimos períodos. Os dados publicizados pela Emater na última edição da Expointer, em setembro, mostraram que o índice de produtores de leite em atuação no RS despencou mais de 60% em quase dez anos.
Se eram pouco mais de 84 mil em 2015, chegaram a 2021 sendo menos que a metade (40.182) e 33 mil no início do atual exercício. E a falta de interesse – justificável – refletiu em outra área. O nosso rebanho leiteiro teve uma redução na ordem de 34% no mesmo período: se, em 2015, o levantamento mostrou haver 1,17 milhão de vacas leiteiras em nossos pastos, hoje elas não chegam a 770 mil cabeças.
E considerando que o levantamento traz informações apenas sobre aqueles que entregam leite às empresas de laticínios ou possuem agroindústrias formalizadas, a avaliação é de que os números são ainda mais preocupantes.
Além dos incentivos fiscais, o decreto trata da criação de grupo de trabalho interministerial que deverá se ocupar da avaliação e formatação de medidas estruturantes. Não há como não encarar, por exemplo, o abismo que se formou ao longo do tempo e solidificou a disparidade no uso de tecnologia entre os nossos produtores se comparados a seus colegas de fora. Além disso, se toda essa situação afeta pesadamente os pecuaristas de médio e grandes portes, sem dúvida alguma o faz em maior escala junto aos pequenos produtores.
Não encarar um problema não o faz desaparecer, apenas prolonga a agonia cujo destino final é o definhar de quem depende de uma solução. Por isso, respostas concretas – como as que estão sendo dadas ao RS e ao Brasil – fazem toda a diferença na hora de nos vermos realmente como um país.
(Foto: Marcelo Antunes)