Por Valdeci Oliveira –
Em última análise, toda escolha tem uma consequência, para o bem ou para o mal, para nós pessoalmente ou para o coletivo como um todo. E quando se trata mais diretamente da vida alheia, a fronteira entre o que desejamos e aquilo que realmente vem a se efetivar é ainda mais tênue. No próximo domingo, dia 1 de outubro, o país inteiro estará envolvido em um processo democrático de escolha popular e participação social que nos permite, dentro de certas limitações, imprimir algum rumo no funcionamento das relações em sociedade: as eleições para os Conselhos Tutelares.
Criados em 1990, a partir da publicação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), eles são uma resposta às necessidades de uma população estimada em pouco mais de 66 milhões de seres entre 0 e 18 anos. Se na prática o atendimento se volta em maior parte aos mais vulneráveis psicológica, social e economicamente, todos, independentemente da renda, credo ou etnia, devem ser assistidos e protegidos se seus direitos forem ameaçados ou violados, seja pela própria sociedade, Estado, pais ou responsáveis e até mesmo por conduta própria.
Qualquer pessoa com título de eleitor e sem pendências com a Justiça Eleitoral pode escolher até cinco candidatos, homens e mulheres que se propõem a trabalhar para garantir o que está previsto no ECA: a proteção da infância e adolescência. Já os locais de votação são os mesmos das eleições tradicionais, porém em menor quantidade – por isso é importante buscar informações junto às prefeituras, aos próprios Conselhos e nos veículos de comunicação.
Da mesma forma que escolhemos nossos representantes para os executivos e legislativos nas esferas municipal, estadual e nacional, há uma regra básica que não pode ser ignorada. É a que diz que nunca devemos colocar a raposa a cuidar do galinheiro, ou seja, escolher pessoas que, no dia a dia, se posicionam contra as vacinas, a ciência e a democracia, que militam pela redução da maioridade penal, pela liberação de armas, por um estado em patamar mínimo de atuação ou pelo corte de investimentos em saúde e educação. E pelo que tenho visto e acompanhado, tem muita raposa atrás de voto.
Precisamos estar alertas a postulantes ao Conselho Tutelar que sejam próximos ou intimamente ligados a ideias, discursos e prática de segmentos que, nos parlamentos, apresentam e aprovam projetos de lei que vão justamente contra os interesses dessa mesma população que se comprometem agora a defender.
Foi por conta desses setores que a reforma da Previdência, que inviabilizou a aposentadoria futura de milhões de adultos, mas principalmente desses jovens, foi aprovada. Foi por conta desses setores que a reforma Trabalhista, que sufocou a organização sindical e precarizou o trabalho, teve votos suficientes no Congresso Nacional e, com isso, ceifou conquistas de décadas de lutas e abriu as porteiras para que o acesso – e novamente dos jovens – ao sustento e à vida profissional se dê quase a preço de custo para o contratante.
Também foi por conta desses setores que o governo de Michel Temer aprovou o chamado “Teto de Gastos”, que limitou os investimentos federais por duas décadas, causando, entre 2018 e 2022, uma perda de R$ 37 bi só para o SUS, que é a única opção para consultas e tratamentos da grande maioria do povo brasileiro. Da mesma forma, esses votos garantiram a aprovação de outra emenda constitucional, esta relativa aos royalties do petróleo, que surrupiou, desde 2021, mais R$ 11 bi da saúde pública. Esses exemplos concretos trouxeram consequências profundas e negativas tanto para esses mesmos jovens no futuro como para seus pais no presente. Por fim, é por conta desses setores – que contam com seus prepostos na eleição do dia 1º de outubro – que serviços básicos e fundamentais como energia e água estão sendo privatizados para render ainda mais privilégios aos que habitam, gravitam ou estão a serviços do topo da nossa pirâmide social.
Repito: isso precisa ser levado em conta na hora de escolher em quem votar para conselheiro ou conselheira tutelar. A depender dos eleitos, serão eles que irão reproduzir na ponta esses mesmos mecanismos de exclusão, com outros nomes, de outras formas. Se os pontos que listei não contrariam seus interesses, certamente vão contra tudo o que precisa ser feito pelos eleitos, se estes realmente buscarem cumprir com suas obrigações.
No momento em que o país ainda lambe suas feridas e busca cicatrizar as chagas decorrentes dos discursos de ódio e narrativas delirantes, é preciso ficar atento a todo e qualquer movimento alimentado pelo fundamentalismo que mascara tanto a política como a religião.
As escolhas que fizermos no próximo domingo é que ditarão os rumos da defesa e dos direitos dos nossos “pequenos semelhantes” até 2027.
Por isso, vote com consciência, vote pensando em quem realmente precisa de atenção e proteção.
(Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil)