Artigo – A desvalorização dos servidores tem que acabar

Por Valdeci Oliveira –

Na última terça-feira, 3, o plenário da Assembleia Legislativa, por 48 votos a 2, aprovou o projeto de lei do executivo de revisão geral anual das remunerações dos servidores públicos gaúchos. O reajuste foi de 6%, índice longe do necessário para repor as perdas inflacionárias acumuladas nos últimos sete anos, período em que a grande maioria dos trabalhadores e trabalhadoras estaduais viram seus salários minguarem, sofrerem perdas significativas por conta da inflação e não receberem nenhum centavo sequer de reposição. Com isso, perderam poder de compra, reduziram a aquisição e consumo de alimentos, trocaram os filhos de escola, muitos tiveram, inclusive, dificuldades para custear os deslocamentos para o trabalho. A escolha era entre pagar o ônibus, abastecer o carro ou colocar comida na mesa.

Esses pais e mães de família merecem e precisam de muito mais. Porém, ao menos – e diante de um cenário que vinha se repetindo – se quebrou uma longa e lamentável temporada de congelamento salarial. Para efeito comparativo, com os 6% aprovados, entre janeiro de 2015 e março de 2022, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor, o INPC, registrou 57,1% acumulados no período, ou seja, mesmo com o atual reajuste mais da metade do valor que recebiam simplesmente desapareceu dos contracheques. E quem tem família e boletos para pagar sabe muito bem o que esse baque significa no orçamento doméstico.

Tentativas de melhorar a oferta foram buscadas. Nossa bancada chegou a apresentar uma emenda ao projeto, estabelecendo um percentual de 10,06% a contar de 1º de janeiro deste ano, o que amenizaria o prejuízo dos servidores. Mas a proposta nem chegou a ser apreciada e votada. Apesar de não concordar, não estou dizendo que se tratou de alguma manobra ilegítima. A questão é até simples, pois as regras na democracia são claras. E no Parlamento não é diferente. Lá a matemática não é complexa: leva quem tem mais votos, e nesse caso, como em outros, foi o governo. Trata-se também de projeto, de escolhas políticas.

Ao comprar a tese de que o problema do estado são os seus trabalhadores, parte da sociedade ignora que, ao não defender a valorização do servidor e do serviço público, ela estará advogando de forma contrária a seus próprios interesses e direitos. Quando não temos os investimentos necessários em saúde, educação, segurança, infraestrutura e em recursos humanos também não temos acesso e não usufruímos de forma plena do que tem de ser prestado – como obrigação legal – pelo estado. Quando não há reconhecimento e valorização daqueles que são os verdadeiros responsáveis pelo funcionamento dele, não há como fazer chegar na ponta os serviços e atendimento públicos – incluindo os mais básicos – com a qualidade e agilidade necessários.

Houve uma época em que aqueles que pregavam a redução do Estado o faziam com a ressalva de que isso era em contrapartida a uma prestação de qualidade, por parte deste mesmo Estado, de serviços nas áreas da educação, saúde, segurança, assistência social, entre outras. Mas, com o tempo, nem mesmo isso se concretizou. É preciso que tenhamos sempre em mente que a primeira medida de impacto tomada pelo governo de Michel Temer, logo após assumir a presidência da República, foi aprovar o congelamento por 20 anos de todos os investimentos públicos, o chamado “teto de gastos”.  Aqui é por uma década.

O que vimos experimentando desde então tem sido a entrega do patrimônio público, a privatização da energia, da água, das estradas, do atendimento a demandas como as de estudos e acompanhamentos econômicos que antes eram feitos pela estrutura estatal, além da contratação de entes privados para gerenciar e operar outras estruturas públicas, como a saúde.

Fora isso, parcela significativa dessa mesma sociedade também ignora que a máxima de que os servidores seriam “marajás” não encontra respaldo na vida real. Conforme os números levantados no Atlas do Estado Brasileiro do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a média salarial dos servidores federais, estaduais e municipais no ano passado era de apenas R$ 2.727. E um quarto (25%) recebia até R$ 1.566. Há castas e privilégios que precisam ser sanados? Sem dúvida. Mas, como o levantamento indica, trata-se de uma minoria e não reflete a realidade concreta.

No RS, não é diferente. Além de perderem metade do seu poder de compra, um contingente enorme de servidores – entre eles os técnicos administrativos e aqueles que trabalham em escolas -, precisa de um completivo para que seus proventos não fiquem abaixo do salário mínimo. Não são raros os casos de trabalhadores e trabalhadoras que recebem R$ 620 como básico.

Ao procurar entender esse processo, não há como não remeter esse contexto ao que escreveu o economista e professor titular da PUC de São Paulo, Ladislau Dowbor. Para ele, as pessoas que ganham R$ 500 mil por mês convenceram as que ganham R$ 50 mil que os problemas do Brasil são as pessoas que ganham R$ 1.000.

Uma triste e lúcida constatação.

Ilustração: reprodução Frente Parlamentar Mista do Serviço Público/Câmara dos Deputados

(Artigo originalmente publicado no site www.claudemirpereira.com.br)